⚖️ O Recurso Ordinário: Um Instrumento de Revisão e Garantia Constitucional
O Recurso Ordinário é uma das espécies recursais mais importantes e singulares do sistema jurídico brasileiro, desempenhando um papel fundamental na garantia do duplo grau de jurisdição e na preservação de direitos e garantias constitucionais. Embora compartilhe a finalidade de provocar o reexame de uma decisão por uma instância superior, suas hipóteses de cabimento e regras se distinguem significativamente nas diversas áreas do Direito.
Sua natureza é essencialmente a de um recurso de fundamentação livre, permitindo o reexame amplo das questões de fato e de direito discutidas na causa. Contudo, é no contexto em que se insere que ele revela suas peculiaridades, variando drasticamente entre o Processo Civil, o Processo do Trabalho e o âmbito Constitucional.
I. O Recurso Ordinário Constitucional (ROC)
No Direito Constitucional, o Recurso Ordinário assume uma natureza excepcional e de extrema relevância, sendo endereçado diretamente aos Tribunais Superiores: o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Seu objetivo é assegurar o acesso à revisão de decisões proferidas por tribunais inferiores em certas ações constitucionais ou em casos de alta relevância política e internacional.
1. Hipóteses e Fundamentos Legais
O cabimento do ROC está previsto diretamente na Constituição Federal de 1988, nos artigos 102, II (competência do STF) e 105, II (competência do STJ), e detalhado nos artigos 1.027 e 1.028 do Código de Processo Civil (CPC), que trata do procedimento:
Tribunal | Artigo da CF/88 | Hipóteses de Cabimento (Exemplos) |
STF | Art. 102, II | Denegação de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores. |
Crimes políticos. |
STJ | Art. 105, II | Denegação de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios. |
Ações em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e Município ou pessoa residente no País, de outro. |
Nota: Em geral, o ROC possui apenas efeito devolutivo, o que significa que ele devolve a matéria ao tribunal superior para reexame, mas não suspende automaticamente a eficácia da decisão recorrida, exceto se houver requerimento específico e concessão pelo relator (Art. 1.029, §5º, do CPC, aplicado subsidiariamente).
II. O Recurso Ordinário no Processo do Trabalho (ROT)
No âmbito do Direito do Trabalho, o Recurso Ordinário (ROT) possui uma função que se assemelha muito à Apelação no processo civil comum, sendo o recurso cabível para levar a matéria decidida em primeiro grau (Varas do Trabalho) para reexame pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT).
1. Hipóteses e Fundamentos Legais
O cabimento do ROT é estabelecido no Artigo 895 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e as principais hipóteses são:
Decisão definitiva ou terminativa das Varas e Juízos, no processo de conhecimento (Sentenças).
Decisão proferida em processo de competência originária dos Tribunais Regionais do Trabalho (como em Dissídios Coletivos).
2. Características Essenciais
Prazo: O prazo para interposição do ROT e para contrarrazões é de 8 (oito) dias, conforme o Art. 895, I da CLT.
Preparo: Exige-se o recolhimento das custas processuais e do depósito recursal como requisitos de admissibilidade, salvo exceções legais (como justiça gratuita, Fazenda Pública, etc.), conforme o Art. 899 da CLT.
Efeitos: Regra geral, o ROT possui apenas efeito devolutivo. O efeito suspensivo é a exceção e só é aplicável em casos específicos previstos em lei (como no recurso interposto contra sentença normativa, conforme Art. 14 da Lei nº 10.192/2001) ou por concessão judicial (tutela de urgência recursal).
III. O Recurso Ordinário no Processo Civil (ROC)
No Direito Processual Civil, como visto, o Recurso Ordinário é primariamente o Recurso Ordinário Constitucional (ROC), dirigido aos Tribunais Superiores em face de decisões originárias de outros tribunais em Mandados de Segurança, Habeas Data, Habeas Corpus e Mandado de Injunção denegatórios.
1. Previsão Legal e Natureza
O CPC de 2015 trata do ROC nos Artigos 1.027 e 1.028, referenciando diretamente a competência constitucional. A natureza do ROC no CPC é a de uma Apelação atípica – é um recurso de mérito, de fundamentação ampla, mas que se restringe às hipóteses taxativas da Constituição.
O Art. 1.028 do CPC estabelece o procedimento, indicando que o recurso deve ser interposto perante o Tribunal de origem e, após as contrarrazões, remetido ao STF ou STJ para julgamento.
IV. Conclusão: A Unidade na Pluralidade
O Recurso Ordinário, apesar de sua denominação única, manifesta-se no ordenamento jurídico brasileiro com funções e focos distintos, refletindo a especialização das diversas áreas do Direito. No Trabalho, ele é a via recursal essencial contra sentenças de primeiro grau, equiparando-se à apelação. No Constitucional e no Processo Civil, ele é um recurso de caráter extraordinário, destinado a levar aos Tribunais Superiores o reexame de ações constitucionais de grande relevância, garantindo o acesso à última palavra da Justiça em defesa de direitos fundamentais.
Em todas as suas formas, o Recurso Ordinário reafirma o princípio do duplo grau de jurisdição e a ampla defesa, sendo uma peça vital na engrenagem da justiça brasileira.