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segunda-feira, 23 de abril de 2018

O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O CAIR NO ESPÍRITO?

O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE O CAIR NO ESPÍRITO?


(Artigo de lavra do Pr. Claudionor Correa de Andrade)

Introdução

Em 1923, o missionário sueco Gunnar Vingren, um dos fundadores da Assembléia de Deus no Brasil, fora informado de que um certo movimento pentecostal começava a alastrar-se por Santa Catarina. Sem perda de tempo, Vingren deixou Belém do Pará, berço do pentecostalismo brasileiro, e embarcou para o Sul. No endereço indicado, veio ele a constatar: "Não se tratava de pentecostes, mas de feitiçaria e baixo espiritismo".

Embora fervoroso pentecostal, Gunnar Vingren não se deixou levar pelo emocionalismo nem pelas aparências. Ele sabia que nem tudo o que é místico, é espiritual; pode brilhar, mas não é avivamento. O misticismo manifesta-se também em rebeldias e mentiras. Haja vista as seitas proféticas e messiânicas.
Teve o nosso pioneiro, como precavido condutor de ovelhas, suficiente discernimento para não aceitar aquele arremedo de pentecostes. Fosse um desses teólogos que colocam a experiência acima da Bíblia Sagrada, o pentecostalismo autêntico jamais teria saído do nascedouro.

Entre as manifestações presenciadas por Gunnar Vingren, achava-se o "cair no poder" que, já naquela época, era conhecido também como "arrebatamento de espírito". À primeira vista, impressionava; fazia espécie. Não resistia, contudo, ao mínimo confronto com as Escrituras. E nada tinha a ver com as experiências semelhantes que se acham nas páginas da Bíblia.
Irreverente e apócrifo, esse misticismo não se limitou à geração de Vingren. Continua a assaltar a Igreja de Cristo com demonstrações cada vez mais peregrinas e contraditórias. O seu alvo? Levar a confusão ao povo de Deus. No combate a tais coisas, haveremos de ser enérgicos, sábios e convincentes. Mas sempre equilibrados. Através da Bíblia, temos a obrigação de mostrar a pureza e a essência de nossa crença, e a "batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos" (Jd 3).

“Cair no Espírito", até que ponto há de ser aceito? Como lhe aferir a legitimidade? É realmente indispensável ao crescimento da vida cristã? Vejamos, a seguir, como esse movimento ganhou notoriedade em nossos dias.

I - O Que é o "Cair no Espírito"?

Embora não seja alguma novidade, o "cair no Espírito", como vem sendo caracterizado, começou a ganhar notoriedade a partir de 1994. Neste ano, a Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá, passou a ser visitada por milhares de crentes - todos à procura de uma bênção especial. Ao contrário das demais igrejas pentecostais, que buscam preservar a ortodoxia doutrinária, a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, granjeou surpreendente notoriedade em virtude das manifestações que ocorriam em seus cultos.

Dizendo-se cheios do Espírito, os freqüentadores dessa igreja começaram a manifestar-se de maneira estranha e até exótica. Em dado momento, todos punham-se a rir de maneira incontrolável; alguns chegavam a rolar pelo chão. Justificando essa bizarria, alegavam tratar-se de santa gargalhada. Ou gargalhada santa? Outros iam mais longe: não se limitavam ao estrepitoso dos risos; saíam urrando como se fossem leões; balindo, como carneiros; ou gritando, como guerreiros. E ainda outros "caíam no Espírito".
À primeira vista, tais manifestações impressionam.

Impressionam apesar de não contarem com o necessário respaldo bíblico. Entretanto, não podemos nos deixar arrastar pelas aparências nem pelo exotismo desses "fenômenos". Temos de 
posicionar-nos segundo a Bíblia que, não obstante os modismos e ondas, continua a ser a nossa única regra de fé e conduta.


II - O Cair no Espírito na Bíblia

Nas Sagradas Escrituras, o cair no Espírito não chega a ser um fenômeno; é mais uma reação reverente diante do sobrenatural. Registra-se apenas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, 11 casos de pessoas que caíram prostradas, com o rosto em terra, em sinal de adoração a Deus. E tais casos não se constituem num histórico; são episódicos isolados. Não têm foro de doutrina, nem argumentos para se alicerçar um costume, nem para se reivindicar uma liturgia; não podem sacramentar alguma prática. Afinal, reação é reação; apesar de semelhantes, diferem entre si. Como hão de fundamentar dogmas de fé?

Verifiquemos, pois, em que circunstâncias deram-se os diversos casos de cair por terra nos relatos bíblicos.

1. A força de uma visão nitidamente celestial

As visões, na Bíblia, tinham uma força impressionante. Agitavam, enfraqueciam e até deitavam por terra homens santos de Deus. Que o diga Daniel. Já encerrando o seu livro, o profeta registra esta formidável experiência: "Fiquei, pois, eu só e vi esta grande visão, e não ficou força em mim; e transmudou-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive força alguma. Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e ouvindo a voz das suas palavras, eu caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido" (Dn 10.8,9).

Em sua primeira visão, Ezequiel também se assusta com o que vê. Ele se apavora: "Este era o aspecto da semelhança da glória do Senhor; e, vendo isso, caí sobre o meu rosto" (Ez 1.28). Sem liturgia, ou intervenção humana, o profeta prostra-se todo. E quem não haveria de se prosternar? Mesmo o mais forte dos homens, não se agüentaria diante de tamanho poder e glória. Recurvar-se-ia; lançar-se-ia com o rosto em terra.
Mais tarde, encontraremos Ezequiel noutro caso de prostração: "E levantei-me e saí ao vale, e eis que a glória do Senhor estava ali, como a glória que vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto" (Ez 3.23). Quem não cairia ante as singularidades da glória de Deus? Quem a resistiria?

Já no final de seus arcanos, Ezequiel vê-se constrangido a comportar-se de igual maneira: "E o aspecto da visão que vi era como o da visão que eu tinha visto quando vim destruir a cidade; e eram as visões como a que vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto" (Ez 43.3).

Nesses casos, as visões divinas foram tão fortes que levaram tanto Ezequiel como Daniel a caírem por terra. Noutras ocasiões, porém, a ocorrência de visões, igualmente poderosas, não provocou alguma prostração. Haja vista o caso de Isaías. Embora se mostrasse aterrorizado e compungido com a visão do trono divino, não se menciona ter o profeta caído por terra. Isto significa que as experiências, embora semelhantes, possuem suas particularidades, isto é: cada
experiência, ou encontro com Deus, é única. Seria tolice pretender repeti-las para que a sua repetição adquirisse foros de doutrina.

2. O impacto de um encontro com Deus

Além das visões, certos encontros com Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamento, levaram à prostração. Mencione-se, por exemplo, o que aconteceu a Saulo no caminho de Damasco. O encontro com Jesus foi tão formidável, que forçou o implacável perseguidor a cair por terra, e a reconhecer a autoridade e a soberania do Filho de Deus: "E caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9.4).

Como nos casos anteriores, nada havia sido programado. Saulo foi levado a recurvar-se em virtude da sublimidade do Senhor Jesus. Noutras ocasiões, porém, os encontros com Deus deram-se de maneira suave. A entrevista de Natanael com Jesus é um exemplo bastante típico dessa suavidade tão santa. O que também dizer do encontro de Gideão com o anjo do Senhor? Ou do encontro de Jeremias com Jeová? Este encontro veio na medida certa; veio de acordo com o caráter suave e melancólico do profeta. Mas tivesse Jeremias o temperamento colérico de Paulo, certamente o Senhor teria agido com impacto para que o vaso fosse quebrado e moldado conforme a sua vontade. Como se vê, as experiências variam de acordo com as circunstâncias e a personalidade das pessoas envolvidas no plano de Deus.

3. Diante da autoridade de Cristo

A autoridade do nome de Cristo é mais que suficiente para fazer com que todos os joelhos dobrem-se diante de si. Aliás, chegará o momento em que todos os seres, quer nos céus, quer na terra, quer sob a terra, hão de se curvar diante da infinita grandeza do nome do Senhor Jesus: "Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai" (Fp 2.9,10).

Na noite de sua paixão, o Senhor demonstrou quão grande era a sua autoridade: "Quando, pois, (Jesus) lhes disse: Sou eu, recuaram e caíram por terra" (Jo 18.6). Ao contrário dos casos anteriores, nessa passagem quem cai por terra são os ímpios. Recurvam-se estes não em sinal de reverência a Deus, mas em razão da autoridade e soberania irresistíveis de Cristo.

Caso semelhante ocorreu com Ananias e Safira. Ambos caíram por terra em decorrência de sua iniqüidade: "Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a, não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras caiu e expirou. E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram" (At 5.3-5).
Casos como esses não são raros. Em nossos dias, muitos são os ímpios que, por se levantarem contra os escolhidos do Senhor, caem por terra e, às vezes, fulminados.
Noutras ocasiões, porém, o Senhor revelou-se de maneira tão suave, que se faz homem diante dos homens. Que encontro mais doce do que aquele que se deu junto ao poço de Jacó? O Senhor revela-se de maneira surpreendentemente afável à mulher samaritana. E a experiência de Nicodemos? Ou a de Zaqueu?

III - Como os Legítimos Representantes de Deus Portaram-se Quando Alguém Caía por Terra?

Ao contrário dos que hoje portam-se como deuses diante de virtuais casos de prostração, os apóstolos de Cristo jamais aceitaram tal deferência. Em todas as instâncias, procuravam sempre glorificar ao nome do Senhor. Em casos semelhantes, até os mesmos anjos agiram com reconhecida e santa modéstia.

Tendo Pedro chegado à casa de Cornélio, a primeira reação deste foi cair de joelhos diante do apóstolo. "Mas Pedro o levantou, dizendo: Levanta-te, que também sou homem" (At 10.25,26). O que fariam os astros do evangelismo dos dias atuais? Humilhar-se-iam como o apóstolo? Ou usariam o evento para incrementar o seu marketing pessoal?

Mesmo um poderoso anjo não se aproveitou da ocasião para atrair a si as glórias devidas somente a Deus. O relato é de João: "Prostrei-me aos seus pés para o adorar. E disse-me: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus" (Ap 22.8,9).
O anjo bem sabia que o apóstolo prostrara-se aos seus pés por uma circunstância bastante especifica: não há ser humano que não se extasie diante do sobrenatural. A aparição de um ente
celestial sempre perturbou os pobres mortais. Nos dias dos juízes, acreditava-se que a visão de um anjo significava morte certa. Por isso, a primeira reação de uma pessoa ao ver um anjo era curvar-se diante do ser angelical. Quem poderia resistir a tanta glória?

Os anjos, porém, recusavam tal deferência. Houve ocasiões em que o anjo do Senhor aceitou elevadas honrarias. Como conciliar tais questões? No Antigo Testamento, sempre que isso ocorria, era devido a presença de um ser especial, que alguns teólogos não vacilam em apontar como a pré-
encarnação de Cristo. De uma forma ou de outra, os anjos eram santos o suficiente para agirem com modéstia e humildade, tributando a Deus todo poder e toda a glória.

Que esta também seja a nossa postura! Quando, por alguma circunstância, alguém cair a nossos pés, levantemo-lo para que tribute a Deus, e somente a Deus, toda a honra e toda a glória. E jamais, sob hipótese alguma, induzamos alguém a prostrar-se com o rosto em terra, pois isto contraria a ética e a postura que o homem de Deus deve ter.

IV - Nas Efusões do Espírito Santo de Atos dos Apóstolos Houve Casos de Prostração?

Na ânsia por justificar o cair por terra que, como já dissemos tem de ser visto como episódio e não como histórico, muitos teólogos chegam a colocar tal reação como se fora uma das evidências da plenitude do Espírito Santo. Que pode haver prostração quando da efusão do Espírito, não o negamos. Pode haver, mas não tem de haver necessariamente, nem precisa haver para que se configure o derramamento do Espírito Santo. A prostração não pode ser vista como evidência, mas como uma reação ocasional e esporádica.
Nos diversos casos de efusão do Espírito Santo, nos Atos dos Apóstolos, não se observou algum caso de prostração. No dia de Pentecoste, segundo no-lo notifica o minucioso e detalhista Lucas, estavam todos assentados no cenáculo (At 2.2). Na casa de Cornélio, onde o Espírito foi derramado pela primeira vez sobre os gentios, também não se observou o cair por terra (At 10.44-47). Entre os discípulos de Éfeso também não se registrou alguma prostração (At 19.6).

Em todos esses casos, porém, a evidência inicial e física do batismo no Espírito Santo fez-se presente. Conclui-se, pois, que não se deve confundir evidência com reação. A evidência é a mesma em todos os que recebem a plenitude do Espírito Santo. A reação, todavia, varia de pessoa para pessoa.
Mesmo quando o lugar santo tremeu, não se observou caso algum de prostração (At 4.31). Poderia ter havido? Sim! Mas não necessariamente.

Conclusões

Daquilo que até agora vimos acerca do "cair no Espírito", podemos tirar as seguintes conclusões, tendo sempre como base as Sagradas Escrituras:

1. Não se pode realçar a experiência, nem guindá-la a uma posição superior à da Palavra de Deus. A experiência é importante, mas varia de pessoa para pessoa; cada experiência é uma experiência;
tem suas particularidades. A experiência tem de estar submissa à doutrina, e não há de modificar, por mais extraordinária que seja, nenhum artigo de fé.

2. O cair por terra não pode ser visto nem como evidência da plenitude do Espírito Santo, nem como sinal de uma vida consagrada. A evidência do batismo no Espírito Santo são as línguas estranhas; e a vida consagrada tem como característica o fruto do Espírito. O cair por terra pode ser admitido, no máximo, como reação esporádica de alguma visitação dos céus. Se provocado, ou repetido, deixa de ser reação para tornar-se liturgia.

3. Caso ocorra alguma prostração, deve-se fazer as seguintes perguntas: 1) Qual a sua procedência? 2) Teve como objetivo promover o homem ou glorificar a Deus? 3) Foi usada para catalisar a atenção dos presentes? 4) Foi provocada por sopros, toques ou por algum objeto lançado no auditório? 5) Houve sugestão coletiva? 6) Prejudicou a boa ordem e a decência da igreja? 7) Conta com o respaldo bíblico suficiente? 8) Tornou-se o centro do culto?

4. Devemos estar sempre atentos, pois o adversário também opera sinais espetaculares com o objetivo de enganar os escolhidos: "Surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam até os escolhidos" (Mt 24.24).

5. Nos diversos exemplos de prostração que fomos buscar na Bíblia, observamos o seguinte: Os personagens que se prostraram, ou foram prostrados, em virtude de alguma experiência sobrenatural, caíram para frente, e não para trás, como está ocorrendo hoje em algumas igrejas. Não era algo programado, nem ministro algum induzira-os a cair. Ou seja: ninguém precisou soprar neles ou neles tocar para que caíssem. Tais modismos têm levado a irreverência e a bizarria ao seio do povo de Deus. Há alguns que se tornaram tão ousados que jogam até os seus paletós a fim de provocar prostrações coletivas. Isto é um absurdo! É antibíblico!

6. Os casos de prostração narrados na Bíblia deram-se em virtude da reverência e temor que os já citados personagens sentiram ao presenciar a glória divina. No Novo Testamento, o termo usado para prostração épesotes prosekinsan que, no original, significa: cair por terra em sinal de devoção. Em Apocalipse 5.14, a expressão grega aparece para mostrar os anciãos prostrados aos pés do Cristo glorificado.

7. Voltemos à questão. Pode acontecer prostração numa reunião evangélica? Pode! Mas não tem de acontecer necessariamente; pode, mas não precisa acontecer, nem ser provocada. Caso aconteça, deve ser encarada como reação e não como fato doutrinário. John e Charles Wesley, por exemplo, experimentaram um poderoso avivamento, mas jamais elevaram suas experiências à categoria de doutrina. As heresias nascem quando se supervaloriza a experiência em detrimento da doutrina. Não podemos nos esquecer de que algumas das mais notáveis heresias deste século, como a Igreja Só Jesus, nasceu em pleno período de avivamento.

8. De uma certa forma, todo avivamento provoca extremismos. Cabe-nos, porém, buscar o equilíbrio tão necessário à Igreja de Cristo. Era o que ocorria em Corinto. Não resta dúvida de que os irmãos daquela comunidade cristã haviam recebido uma forte visitação dos céus. Todavia, tiveram de ser doutrinados e disciplinados. A esses irmãos, escreveu Paulo: "E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos" (1 Co 14.32,33).
Finalmente, jamais devemos abandonar a Bíblia. Ênfases, como o cair no Espírito, hão de surgir sempre. Não devemos nos impressionar com elas; tratemo-las com o devido equilíbrio. Pois o equilíbrio bíblico e teológico há de manter a igreja de Cristo em permanente avivamento. E o verdadeiro avivamento não extingue o Espírito, mas sabe como evitar os excessos.


Fonte:

segunda-feira, 16 de abril de 2018

LIÇÃO 04 - ÉTICA CRISTÃ E ABORTO - 2º Trimestre 2018

Criação de Tudo

História da Escola Dominical

A minúscula semente de mostarda que se transformou numa grande árvore
A história da Escola Dominical
Por Ruth Doris Lemos:
Sentado a sua mesa de trabalho num domingo em outubro de 1780 o dedicado jornalista Robert Raikes procurava concentrar-se sobre o editorial que escrevia para o jornal de Gloucester, de propriedade de seu pai. Foi difícil para ele fixar a sua atenção sobre o que estava escrevendo pois os gritos e palavrões das crianças que brincavam na rua, debaixo da sua janela, interrompiam constantemente os seus pensamentos. Quando as brigas tornaram-se acaloradas e as ameaças agressivas, Raikes julgou ser necessário ir à janela e protestar do comportamento das crianças. Todos se acalmaram por poucos minutos, mas logo voltaram às suas brigas e gritos. 

Robert Raikes contemplou o quadro em sua frente; enquanto escrevia mais um editorial pedindo reforma no sistema carcerário. Ele conclamava as autoridades sobre a necessidade de recuperar os encarcerados, reabilitando-os através de estudo, cursos, aulas e algo útil enquanto cumpriam suas penas, para que ao saírem da prisão pudessem achar empregos honestos e tornarem-se cidadãos de valor na comunidade. Levantando seus olhos por um momento, começou a pensar sobre o destino das crianças de rua; pequeninos sendo criados sem qualquer estudo que pudesse lhes dar um futuro diferente daquele dos seus pais. Se continuassem dessa maneira, muitos certamente entrariam no caminho do vício, da violência e do crime. 

A cidade de Gloucester, no Centro-Oeste da Inglaterra, era um pólo industrial com grandes fábricas de têxteis. Raikes sabia que as crianças trabalhavam nas fábricas ao lado dos seus pais, de sol a sol, seis dias por semana. Enquanto os pais descansavam no domingo, do trabalho árduo da semana, as crianças ficavam abandonadas nas ruas buscando seus próprios interesses. Tomavam conta das ruas e praças, brincando, brigando, perturbando o silêncio do sagrado domingo com seu barulho. Naquele tempo não havia escolas públicas na Inglaterra, apenas escolas particulares, privilégio das classes mais abastadas que podiam pagar os custos altos. Assim, as crianças pobres ficaram sem estudar; trabalhando todos os dias nas fábricas, menos aos domingos. 

Raikes sentiu-se atribulado no seu espírito ao ver tantas crianças desafortunadas crescendo desta maneira; sem dúvida, ao atingir a maioridade, muitas delas cairiam no mundo do crime. O que ele poderia fazer? 

Por um futuro melhor

Sentado a sua mesa, e meditando sobre esta situação, um plano nasceu na sua mente. Ele resolveu fazer algo para as crianças pobres, que pudesse mudar seu viver, e garantir-lhes um futuro melhor! Pondo ao lado seu editorial sobre reformas nas prisões, ele começou a escrever sobre as crianças pobres que trabalhavam nas fábricas, sem oportunidade para estudar e se preparar para uma vida melhor. Quanto mais ele escrevia, mais sentia-se empolgado com seu plano de ajudar as crianças. Ele resolveu neste primeiro editorial somente chamar atenção à condição deplorável dos pequeninos, e no próximo ele apresentaria uma solução que estava tomando forma na sua mente. 

Quando leram seu editorial, houve alguns que sentiram pena das crianças, outros que acharam que o jornal deveria se preocupar com assuntos mais importantes do que crianças, sobretudo, filhos dos operários pobres! Mas Robert Raikes tinha um sonho e este estava enchendo seu coração e seus pensamentos cada vez mais! No editorial seguinte, expôs seu plano de começar aulas de alfabetização, linguagem, gramática, matemática, e religião para as crianças, durante algumas horas de domingo. Fez um apelo, através do jornal, para mulheres com preparo intelectual e dispostas a ajudar-lhes neste projeto, dando aulas nos seus lares. Dias depois um sacerdote anglicano indicou professoras da sua paróquia para o trabalho. 

O entusiasmo das crianças era comovente e contagiante. Algumas não aceitaram trocar a sua liberdade de domingo, por ficar sentadas na sala de aula, mas eventualmente todos estavam aprendendo a ler, escrever e fazer as somas de aritmética. As histórias e lições bíblicas eram os momentos mais esperados e gostosos de todo o currículo. Em pouco tempo, as crianças aprenderam não somente da Bíblia, mas lições de moral, ética, e educação religiosa. Era uma verdadeira educação cristã. 

Robert Raikes, este grande homem de visão humanitária, não somente fazia campanhas através de seu jornal para angariar doações de material escolar, mas também agasalhos, roupas, sapatos para as crianças pobres, bem como mantimentos para preparar-lhes um bom almoço aos domingos. Ele foi visto freqüentemente acompanhado de seu fiel servo, andando sob a neve, com sua lanterna nas noites frias de inverno. Raikes fazia isto nos redutos mais pobres da cidade para levar agasalho e alimento para crianças de rua que morreriam de frio se ninguém cuidasse delas; conduzindo-as para sua casa, até encontrar um lar para elas. 

As crianças se reuniam nas praças, ruas e em casas particulares. Robert Raikes pagava um pequeno salário às professoras que necessitavam, outras pagavam suas despesas do seu próprio bolso. Havia, também, algumas pessoas altruistas da cidade, que contribuíam para este nobre esforço. 

Movimento mundial 

No começo Raikes encontrou resistência ao seu trabalho, entre aqueles que ele menos esperava - os líderes das igrejas. Achavam que ele estava profanando o domingo sagrado e profanando as suas igrejas com as crianças ainda não comportadas. Havia nestas alturas algumas igrejas que estavam abrindo as suas portas para classes bíblicas dominicais, vendo o efeito salutar que estas tinham sobre as crianças e jovens da cidade. Grandes homens da igreja, tais como João Wesley, o fundador do metodismo, logo ingressaram entusiasticamente na obra de Raikes, julgando-a ser um dos trabalhos mais eficientes para o ensino da Bíblia. 

As classes bíblicas começaram a se propagar rapidamente por cidades vizinhas e, finalmente, para todo o país. Quatro anos após a fundação, a Escola Dominical já tinha mais de 250 mil alunos, e quando Robert Raikes faleceu em 1811, já havia na Escola Dominical 400 mil alunos matriculados. 

A primeira Associação da Escola Dominical foi fundada na Inglaterra em 1785, e no mesmo ano, a União das Escolas Dominicais foi fundada nos Estados Unidos. Embora o trabalho tivesse começado em 1780, a organização da Escola Dominical em caráter permanente, data de 1782. No dia 3 de novembro de 1783 é celebrada a data de fundação da Escola Dominical. Entre as igrejas protestantes, a Metodista se destaca como a pioneira da obra de educação religiosa. Em grande parte, esta visão se deve ao seu dinâmico fundador João Wesley, que viu o potencial espiritual da Escola Dominical e logo a incorporou ao grande movimento sob sua liderança. 

A Escola Bíblica Dominical surgiu no Brasil em 1855, em Petrópolis (RJ). O jovem casal de missionários escoceses, Robert e Sarah Kalley, chegou ao Brasil naquele ano e logo instalou uma escola para ensinar a Bíblia para as crianças e jovens daquela região. A primeira aula foi realizada no domingo, 19 de agosto de 1855. Somente cinco participaram, mas Sarah, contente com “pequenos começos”, contou a história de Jonas, mais com gestos,do que palavras, porque estava só começando a aprender o português. Ela viu tantas crianças pelas ruas que seu coração almejava ganhá-las para Jesus. A semente do Evangelho foi plantada em solo fértil. 

Com o passar do tempo, aumentou tanto o número de pessoas estudando a Bíblia, que o missionário Kalley iniciou aulas para jovens e adultos. Vendo o crescimento, os Kalleys resolveram mudar para o Rio de Janeiro, para dar uma continuidade melhor ao trabalho e aumentar o alcance do mesmo. Este humilde começo de aulas bíblicas dominicais deu início à Igreja Evangélica Congregacional no Brasil. 

No mundo há muitas coisas que pessoas sinceras e humanitárias fazem sem pensar ou imaginar a extensão de influência que seus atos podem ter. Certamente, Robert Raikes nunca imaginou que as simples aulas que ele começou entre crianças pobres e analfabetas da sua cidade, no interior da Inglaterra, iriam crescer para ser um grande movimento mundial. Hoje, a Escola Dominical conta com mais de 60 milhões de alunos matriculados, em mais de 500 mil igrejas protestantes no mundo. É a minúscula semente de mostarda plantada e regada, que cresceu para ser uma grande árvore cujos galhos estendem-se ao redor do globo. 


Ruth Dorris Lemos é missionária norte-americana em atividade no Brasil, jornalista, professora de Teologia e uma das fundadoras do Instituto Bíblico da Assembleia de Deus (IBAD), em Pindamonhangaba (SP)
A CPAD e a Escola Dominical
A CPAD tem uma trajetória marcante na Escola Dominical das igrejas brasileiras. As primeiras revistas começaram a ser publicadas em forma de suplemento do primeiro periódico das Assembleias de Deus – jornal Boa Semente, que circulou em Belém, Pará, no início da década de 20. O suplemento era denominado Estudos Dominicais, escritos pelo missionário Samuel Nystrom, pastor sueco de vasta cultura bíblica e secular, e com lições da Escola Dominical em forma de esboços, para três meses. Em 1930, na primeira convenção geral das Assembleias de Deus realizada em Natal (RN) deu-se a fusão do jornal Boa Semente com um outro similar que era publicado pela igreja do Rio de Janeiro, O Som Alegre, originando o MENSAGEIRO DA PAZ. Nessa ocasião (1930) foi lançada no Rio de Janeiro a revista Lições Bíblicas para as Escolas Dominicais. Seu primeiro comentador e editor foi o missionário Samuel Nystrom e depois o missionário Nils Kastberg.

Nos seus primeiros tempos a revista Lições Bíblicas era trimestral e depois passou a ser semestral. As razões disso não eram apenas os parcos recursos financeiros, mas principalmente a morosidade e a escassez de transporte de cargas, que naquele tempo era todo marítimo e somente costeiro; ao longo do litoral. A revista levava muito tempo para alcançar os pontos distantes do país. Com a melhora dos transportes a revista passou a ser trimestral. 

Na década de 50 o avanço da CPAD foi considerável. A revista Lições Bíblicas passou a ter como comentadores homens de Deus como Eurico Bergstén, N. Lawrence Olson, João de Oliveira, José Menezes e Orlando Boyer. Seus ensinos seguros e conservadores, extraídos da Bíblia, forjaram toda uma geração de novos crentes. Disso resultou também uma grande colheita de obreiros para a seara do Mestre. 

As primeiras revistas para as crianças só vieram a surgir na década de 40, na gestão do jornalista e escritor Emílio Conde, como editor e redator da CPAD. A revista, escrita pelas professoras Nair Soares e Cacilda de Brito, era o primeiro esforço da CPAD para melhor alcançar a população infantil das nossas igrejas. Tempos depois, o grande entusiasta e promotor da Escola Dominical entre nós, pastor José Pimentel de Carvalho, criou e lançou pela CPAD uma nova revista infantil, a Minha Revistinha , que por falta de apoio, de recursos, de pessoal, e de máquinas apropriadas, teve vida efêmera. 

Usava-se o texto bíblico e o comentário das Lições Bíblicas (jovens e adultos) para todas as idades. Muitos pastores, professores e alunos da Escola Dominical reclamavam das dificuldades insuperáveis de ensinar assuntos sumamente difíceis, impróprios e até inconvenientes para os pequeninos.


Escola Bíblica no Rio de Janeiro, em abril de 1946
 





Na década de 70 acentuava-se mais e mais a necessidade de novas revistas para a Escola Dominical, graduadas conforme as diversas faixas de idade de seus alunos. Isto acontecia, principalmente, à medida que o CAPED (Curso de Aperfeiçoamento de Professores da Escola Dominical), lançado pela CPAD em 1974, percorria o Brasil.
Foi assim que, também em 1974, com a criação do Departamento de Escola Dominical (atual Setor de Educação Cristã), começa-se a planejar e elaborar os diversos currículos bíblicos para todas as faixas etárias, bem como suas respectivas revistas para aluno e professor, e também os recursos visuais para as idades mais baixas.
O plano delineado em 1974 e lançado na gestão do pastor Antônio Gilberto, no Departamento de Escola Dominical, foi reformulado e relançado em 1994 na gestão do irmão Ronaldo Rodrigues, Diretor Executivo da CPAD, de fato, só foi consumado em 1994, depois que todo o currículo sofreu redirecionamento tendo sido criadas novas revistas como as da faixa dos 15 a 17 anos e as do Discipulado para novos convertidos, desenhados novos visuais, aumentado a quantidade de páginas das revistas de alunos e mestres e criado novo padrão gráfico-visual de capas e embalagem dos visuais.

Após duas edições das revistas e currículos (1994 a 1996 e 1997 a 1999), a CPAD apresentou em 2000, uma nova edição com grandes novidades nas áreas pedagógicas, gráficas e visuais.
Em 2007, mais uma vez a CPAD sai na frente com a publicação do novo currículo (vigente) — fundamentado nas atuais concepções e pressupostos da Didática, Pedagogia e Psicologia Educacional. 

Missionário Eurico Bérgsten e esposa


Missionário Samuel Nyström



  
  

Revistas antigas
Fonte de referência, estudos e pesquisa: https://adecalebdweb.blogspot.com.br/p/como-surgiu-ebd.html

sábado, 14 de abril de 2018

A DIDAQUÊ


Resultado de imagem para DIDAQUÊ
1. Título

Completo: Didaché tou Kuríou dià ton dódeka apostólon tois éthnesin = “Ensino (instrução, doutrina) do Senhor aos gentios através dos doze apóstolos”

Abreviado: “O ensino dos (doze) apóstolos” ou “A didaquê”

2. Importância:

“Um dos documentos mais fascinantes e ao mesmo tempo mais intrigantes a emergirem da igreja primitiva” (M. W. Holmes).

“Nenhum documento da igreja antiga tem se revelado tão desconcertante para os estudiosos como esse folheto aparentemente inocente” ... “A criança mimada da crítica” (C. C. Richardson).

“É a única evidência contemporânea direta que temos sobre as condições da vida da Igreja no período obscuro entre o Novo Testamento e a organização mais plenamente desenvolvida do 2º século” (M. Staniforth).

“O documento mais importante do período sub-apostólico e a mais antiga fonte de lei eclesiástica que possuímos... Enriqueceu e aprofundou de modo extraordinário o nosso conhecimento dos primórdios da Igreja” (J. Quasten).

3. Descoberta do manuscrito:

O título do documento era conhecido através de referências em vários escritores antigos.

Em 1873, Filoteos Bryennios, o metropolita grego de Nicomédia, encontrou na biblioteca do mosteiro do Santo Sepulcro (biblioteca do patriarca grego de Jerusalém), em Constantinopla (Istambul), um rolo de manuscritos em grego, datado de 1056, copiado por um escriba chamado Leo.

Tratava-se de 120 folhas de pergaminho contendo a Sinopse de Crisóstomo dos Livros do AT e do NT, a Epístola de Barnabé, as duas epístolas de Clemente, a Didaquê, a Epístola de Maria de Cassobelae a Inácio e a versão longa das cartas de Inácio (12 cartas).

Em 1883, dez anos após a descoberta, Bryennios publicou a Didaquê pela primeira vez, em Constantinopla. Em 1887, o manuscrito (Cod. 54 ou Codex Ierosolymitanus) foi levado para a biblioteca patriarcal de Jerusalém, onde se encontra até hoje.

Existem outras versões antigas da Didaquê: copta, etíope, georgiana e latina.

4. Testemunhos antigos:
As muitas menções de trechos da Didaquê em escritos da igreja antiga atestam a sua importância. Ela deve ter gozado de ampla circulação por algum tempo, sendo aceita pelo menos por uma parte da igreja como um livro digno de ser lido no culto divino. Clemente de Alexandria a cita uma vez como Escritura (graphé). (Strom. I, 20, 100)

Vários autores acharam necessário destacar que a Didaquê não possuía caráter canônico. Eusébio de Cesaréia refere-se a ela como um dos livros apócrifos ou espúrios (Hist. Ecles., III, 25, 4). Atanásio faz o mesmo, mas declara que ela ainda era usada na instrução catequética (Ep. Fest. 39).

O autor da Didascália (início do terceiro século) conhecia toda a Didaquê. Esta serve de base para o 7º livro das Constituições Apostólicas (Síria, quarto século). Os Dois Caminhos (caps. 1-6) são muito semelhantes aos capítulos 18-20 da Epístola de Barnabé (100-130 AD). É possível que ambos os documentos tenham se baseado em uma fonte comum. Grande parte desse material também aparece na Ordem Eclesiástica Apostólica (quarto século) e na Vida de Schnudi (quinto século).

5. Partes constitutivas:
O documento tem duas partes distintas:

(a) Os Dois Caminhos (1-6): código de moralidade cristã, apresentando as diferentes virtudes e vícios que constituem, respectivamente, o Caminho da Vida e o Caminho da Morte. Essa seção é uma adaptação de um tratado moral autônomo, provavelmente de origem judaica, que era conhecido e usado em Alexandria. No início do segundo século, esse texto judaico teria sido inserido em um primitivo manual eclesiástico – a Didaquê, recebendo importantes acréscimos cristãos.

(b) Manual eclesiástico (7-16): compêndio de regras que tratam de diversos aspectos da vida da igreja, tais como: batismo, jejum, eucaristia, missionários itinerantes, ministros locais, etc. São esses antigos regulamentos que conferem à Didaquê um interesse e importância singulares, pois refletem a vida de uma primitiva comunidade cristã na Síria (ou no Egito) no final do 1º século. (M. Staniforth)

Johannes Quasten faz uma divisão diferente: (a) instruções litúrgicas: caps. 1-10; (b) regulamentos disciplinares: caps. 11-15; (c) conclusão: a parousia do Senhor e deveres dela decorrentes: cap. 16. A primeira seção é composta de duas partes: regras de moralidade (1-6) e instruções litúrgicas (7-10).

Segundo o mesmo autor, alguns temas importantes do documento são: oração e liturgia, confissão, hierarquia, beneficência, eclesiologia e escatologia. Contém as mais antigas orações eucarísticas conhecidas e a única referência ao batismo por efusão nos dois primeiros séculos. Não faz nenhuma referência ao episcopado monárquico e aos presbíteros.

Roque Frangiotti divide o texto em quatro partes: (a) seção doutrinal ou catequética: caps. 1-6; (b) instruções litúrgicas: caps. 7-10; (c) instruções disciplinares: caps. 11-15; (d) epílogo sobre a segunda vinda de Cristo: cap. 16.

Uma versão latina, intitulada “Doctrina apostolorum” e correspondente à Didaquê 1-6 (sem 1.3b-2.1), apóia-se no texto grego de uma doutrina judaica tardia dos dois caminhos. Essa doutrina destinava-se à instrução moral de gentios desejosos de aderir à sinagoga como “tementes a Deus”. O escrito era intitulado “Didaché Kuríou tois éthnesin”. Pela inserção das palavras “diá ton dódeka apostólon” no título e pela interpolação de 1.3b-2.1, a doutrina recebeu um caráter cristão. (Altaner e Stuiber)

6. Autoria e data:
Autor: um ministro sagrado de idade avançada, formado na escola de Tiago, o Menor, que teria imigrado para a Síria por ocasião da guerra civil (R. Frangiotti). O documento teria sido colocado na forma presente no máximo até 150, embora pareça provável uma data mais próxima do final do primeiro século.

7. Evidências de antiguidade
    * O título “servo de Deus” aplicado a Jesus.
    * A simplicidade litúrgica e das orações.
    * As orações eucarísticas apontam para um período em que a Ceia do Senhor era ainda uma ceia.
    * O batismo em água corrente.
    * Preocupação em distinguir as práticas cristãs dos rituais judaicos (8.1).
    * Ausência de preocupação com um credo universal.
    * Nenhuma referência aos livros do Novo Testamento.
    * Nenhuma referência ao episcopado monárquico.
    * Ênfase aos ofícios carismáticos e itinerantes: apóstolos e profetas.
    * Dupla estrutura de bispos e diáconos (ver Fp 1.1).
    * Outros temas ausentes: virgindade, tendências gnósticas e antignósticas.

8. Composição
C. Richardson entende que o “didaquista” foi mais um compilador do que um autor. Ou seja, ele não escreveu a Didaquê, mas reuniu dois documentos pré-existentes, fazendo algumas adaptações. Ele provavelmente compôs o capítulo final (16).

Os Dois Caminhos (caps. 1-5) representariam uma forma tardia de um catecismo original no qual o didaquista inseriu em bloco alguns ensinos tipicamente cristãos. Tais ensinos revelam um conhecimento de Mateus e Lucas, e também do Pastor de Hermas (1.5 = Man. 2.4-6) e da Epístola de Barnabé (16.2 = Barn. 4.9).

O manual de ordem eclesiástica (caps. 6-15) refletiria o período sub-apostólico nas igrejas rurais da Síria. Evidências: (a) é claramente dependente do evangelho de Mateus, que provavelmente se originou na Síria; (b) as orações eucarísticas refletem uma região em que o trigo é semeado nas colinas (9.4); (c) a seção batismal pressupõe uma região em que existem termas (7.2); (d) os profetas e mestres lembram a situação de Antioquia (Atos 13.1). A imagem que se obtém dessa fonte é de comunidades rurais que recebem periodicamente a visita dos líderes de algum centro cristão.

A Didaquê propriamente dita deve ter sido composta em Alexandria. Evidências: (a) os Dois Caminhos circulavam ali, pois a Epístola de Barnabé e a Ordem Eclesiástica Apostólica procedem daquela localidade; (b) é possível que Clemente de Alexandria conhecesse a Didaquê; (c) o documento revela uma atitude liberal em relação ao cânon do NT, aparentemente incluindo Barnabé e Hermas, o que aponta para Alexandria; (d) até o quarto século a Didaquê era altamente valorizada no Egito, sendo quase considerada canônica, e foi mencionada por Atanásio como adequada para a instrução catequética.

9. Bibliografia
ALTANER, Berthold e STUIBER, Alfred. Patrologia: vida, obras e doutrina dos padres da igreja. São Paulo: Paulinas, 1988.

EUSÉBIO DE CESARÉIA. História eclesiástica. Trad. Wolfgang Fischer. São Paulo: Novo Século, 1999.

FRANGIOTTI, Roque (Ed.). Padres Apostólicos. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. Coleção Patrística, Vol. 1. São Paulo: Paulus, 1995.

HITCHCOCK, Roswell e BROWN, Francis (Eds.). Teaching of the Twelve Apostles: recently discovered and published by Philotheos Bryennios, metropolitan of Nicomedia. <place u2:st="on"><state u2:st="on">New York</state></place>: Charles Scribner’s, 1884.

HOLMES, Michael W. (Ed.). The apostolic fathers: Greek texts and English translations. Grand Rapids: Baker, 1999.

LAKE, Kirsopp (Ed.). The apostolic fathers. Vol. I. London: William Heinemann; New York: Macmillan, 1912.

MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. História da literatura cristã antiga grega e latina. Vol. I: De Paulo à era constantiniana. São Paulo: Loyola, 1996.

QUASTEN, Johannes. Patrology. Vol. I: The beginnings of patristic literature. Westminster, Maryland: Christian Classics, 1993.

RICHARDSON, Cyril C. et al. (Eds.). Early Christian fathers. The Library of Christian Classics, Vol. I. Philadelphia: Westminster, 1953.

SCHAFF, Philip e WACE, Henry. Eusebius: church history, life of Constantine the great, and oration in praise of Constantine. Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, Vol. I. Reprint. Grand Rapids: Eerdmans, 1986 (1890).

________ . St. Athanasius: select works and letters. Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, Vol. IV. Reprint. T&T Clark: Edinburgh; Grand Rapids: Eerdmans, 1987 (1891).

STANIFORTH, Maxwell (Ed.). Early Christian writings: the apostolic fathers. New York: Barnes & Noble, 1993.

domingo, 8 de abril de 2018

Senhor, ensina-nos a orar

"Senhor, ensina-nos a orar"

“Senhor, ensina-nos a orar”, evocava humilde e esperançoso um dos discípulos (Lc 11.1). O incógnito suplicante fizera uma das orações mais breves de toda Escritura. No desejo de aprender a orar, suplicou, e prontamente foi atendido. Jesus ensinou-lhe a essência e o paradigma da oração cristã eficaz.
A oração estava presente e arraigada na religião e cultura judaicas de tal modo que não temos qualquer perícope nas Escrituras que interrogue a respeito de sua definição. Ensinar a orar não é a mesma coisa que definir o que é orar. Os discípulos de Cristo, assim como os de João ou dos fariseus, não questionavam seus mestres a respeito do significado da oração. Ensinar a orar diz respeito à liturgia, à forma; definir a oração tem a ver com a teologia.
O súplice sabia mais da teologia da oração do que de sua forma. Ele não precisava que Jesus a definisse, pois o povo israelita possuía uma longa tradição teologal e litúrgica nas quais a oração era componente essencial do culto a Javé. O conceito de oração era de pleno conhecimento do israelita adulto, razão pela qual não havia necessidade de o discípulo incógnito perguntar por sua plena significação. Entrementes, sentira a urgência de apreender a sua essência e forma. 
Apesar de inserido em uma sociedade cúltica e orante, vira que seu Mestre invocava a Deus com a mais íntima comunhão. O particípio presente do verboproseuchomai, “orando”, possibilita a interpretação de que os discípulos estavam presentes nesse “certo lugar” (Lc 11.1); caso não estivessem presentes, o que parece não ser o caso, chegaram enquanto Jesus ainda orava.
Se fazia parte da tradição o rabino ensinar aos seus discípulos como se deve orar, como atesta o complemento “como também João ensinou aos seus discípulos”, então, era oportuno que o aprendente interrogasse seu mestre a respeito do assunto. Assim, embora não perguntasse ao ensinante o que é oração, indagara a respeito de como deveria orar, uma vez que, de acordo com Joachim Jeremias, na época do Novo Testamento, o judeu piedoso “rezava três vezes ao dia”,[1]indicando assim, que não era preocupação do judeu orante a definição de oração, mas em que a oração do Galileu diferia-se da tradição.
As duas proposições, como orar e o que é oração demonstram, entretanto, uma relação entre a experiência cúltica da oração e a definição teórica que a orienta. A experiência é a expressão prática, mas a definição, a expressão doutrinária. Se o discípulo fizesse a segunda pergunta, seu interesse seria teológico e dogmático, porém, como fez a primeira, demonstra maior preocupação com a forma e prática da oração do que em sua episteme. A primeira indagação é litúrgica e cultual; enquanto a segunda, doutrinária e teológica. Esta traduz a teoria, mas aquela, a experiência religiosa. As duas não são antagônicas, mas complementares.
De acordo com Joachim Wach, a expressão teórica e a experiência religiosa estão entrelaçadas, de modo que uma não se sobrepõe à outra. Segundo o autor
A expressão cultual (prática) da experiência religiosa precede a expressão teórica, ou os elementos doutrinais são os que determinam as formas nas quais o culto será realizado? [...] A interpretação mais plausível parece ser a que considera tanto a expressão teórica como a prática como estando inextricavelmente entrelaçadas e a que desaprova qualquer esforço de atribuir prioridade seja a uma, seja a outra.[2]

Correndo o risco de perturbar a clareza de nossa assertiva, a experiência religiosa para Wach refere-se à expressão prática no culto e nas formas de adoração. A manifestação dessa experiência religiosa se realiza na doutrina (teoria), no culto (prática) e na comunhão (sociologia),[3] isto é, no conteúdo, forma e coletividade.
De acordo com o autor, o culto forma, integra, e desenvolve o grupo religioso através de seus principais elementos (a oração, o sacrifício e o ritual).[4] O culto, na acepção sociológica, se compõe dos exercícios religiosos que relacionam e integram o homem e o seu grupo religioso ao sagrado.
As experiências religiosas advindas principalmente da prática litúrgica e da comunhão do grupo, segundo Severino Croatto, são influenciadas pela experiência humana que é sempre relacional. [5] Assim, a oração não é uma manifestação religiosa articulada fora da experiência humana e do grupo religioso. Ela pertence ao jogo de linguagem, segundo Wittgenstein[6], e às representações religiosas coletivas que exprimem, segundo Émile Durkhein, realidades coletivas[7] e, como elemento que integra o rito, constitui-se um elemento de mediação hierofânica.Por conseguinte, a oração não é uma manifestação religiosa articulada fora da experiência humana e do grupo religioso. 
Portanto, o discípulo orante não necessitava do conceito de oração, já que a prece fazia parte de sua experiência religiosa, mas de sua realidade cúltica, transformacional e mediadora, suplantada pelo tradicionalismo de então. As formas mecânicas da oração hebreia contrastavam com a oração vivificante de Cristo, razão pela qual o pedinte suplica por sua fórmula em vez de sua significação.
Ainda preso aos tentáculos do tradicionalismo, pensava ele que a essência da oração era sua forma, suas estruturas e ritos. O discípulo conhecia a teoria, mas essa se opunha a prática vigente. Por conseguinte, teoria e forma, doutrina e liturgia não se dicotomizam, muito embora seja possível romper a forma da essência e a doutrina da liturgia. A teoria e a experiência religiosa, por mais que se conflitem, estão entrelaçadas.
Wach critica aqueles que separam a teoria (a fórmula racional) da experiência religiosa (a manifestação prática). Considerou equivocada a posição dos teóricos que atribuem à religião um caráter apenas reflexivo e, principalmente, a de Schleiermacher, para o qual as ideias são estranhas à religião e devem ser substituídas pela intuição.[8] 
Para Schleiermacher, a religião não é conhecimento e muito menos atividade que condiciona a vida moral (ação), mas tão somente sentimento, uma experiência meditativa (andächtiges Erleben), ou como Mendonça define a concepção schleiermacheana, “presença do infinito no finito”
Baseando-se na psicologia, Schleiermacher afirma que o sentimento constitui a faculdade peculiar da vida religiosa. Religião não é conhecimento, assim como não é a atividade que condiciona a vida moral, mas é sentimento. Presença do infinito no finito.[9]

Ambas as teorias, as que negam o conhecimento teórico e as que atribuem apenas o caráter reflexivo da religião, são opiniões unilaterais que reduzem e minimizam a religião e suas “diferentes formas de expressão”, afirma Wach.[10]
Todavia, Wach concorda com Max Scheler, segundo o qual o conhecimento religioso não existe antes de sua expressão cultual. O ato religioso pode ser ato mental [geistiger] de natureza psicofísica.[11] A adoração, por conseguinte, é um dos meios para o crescimento do saber religioso e a linguagem o instrumento que expressa a experiência religiosa. A linguagem religiosa, entretanto, não é neutra, mas traduz a experiência sagrada. É desvelamento e mistério.
Félix-Alexandro Pastor, nomeia a linguagem da experiência religiosa como: doxologia cúltica – expressiva da própria fé, sem excluir referências informativas e normativas –,analogia – de tendências informativas –, e homologia – de caráter normativo.[12] Por conseguinte, múltiplas são as linguagens que traduzem a experiência cúltica e religiosa; elas não se anulam e muito menos se excluem mutuamente, pelo contrário, complementam-se.
Portanto, não há qualquer contradição no fato de o discípulo inquirir como orar em vez de o que é oração. As duas questões encontram-se no epicentro do culto e sintetizam-se na experiência e na linguagem religiosa.


[1] JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento. 2.ed.rev.at. São Paulo: Teológica, 2004, p.115.
[2] WACH, Joachim. Sociologia da religião. São Paulo: Paulinas, 1990, Coleção Sociologia e Religião, p.31.
[3] Id.Ibid., p.12,30-49.
[4] Id.Ibid., p.56,57.
[5] CROATTO, J. S. As Linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. 2.ed., São Paulo: Paulinas, 2004, p.41-46.
[6] WITTIGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Rio de Janeiro: Vozes, Coleção Pensamento Humano, p.27.
[7] DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 212.Importante para a compreensão do caráter coletivo da oração é a definição de Durkheim a respeito da religião e de sua manifestação social: “A religião é uma coisa eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são maneiras de agir que nascem no seio dos grupos reunidos e que são destinados a suscitar, a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos.”
[8] Cf. SCHLEIERMACHER, Friedrich D.E. Sobre a religião: discursos a seus menosprezadores eruditos. São Paulo: Novo Século, 2000, p.29-33.
[9] MENDONÇA, A. Gouvêa. Protestantismo no Brasil: um caso de religião e culturaREVISTA USP. São Paulo, n.74, p. 162, junho/agosto 2007.
[10] Id.Ibid.,p.31.
[11] Apud WACH, J. Id.Ibid.,p.32.
[12] PASTOR, F.A. A lógica do inefável. São Paulo: Edições Loyola, 1989, Coleção Fé e Realidade – 27,p.85.

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