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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

OS DECRETOS DIVINOS E A ORIGEM DO MAL...

OS DECRETOS DIVINOS E A ORIGEM DO MAL


Terminologia
O termo decreto pulsa, sem conotações teológicas, por toda a Escritura. Neste aspecto é sinônimo de lei ou edito. O sentido primário é de uma determinação escrita ou ordenação, perfazendo também o sentido de desígnio ou vontade superior.


Pelo menos três vocábulos hebraicos são usados com o sentido primário, referindo-se a alguma lei ou edito emanado de uma autoridade qualquer, senão vejamos:
a) Esar. Literalmente "laço". É um termo aramaico usado por sete vezes em Daniel (6.7-9,12,13,15). A ARC traduz o vocábulo por edito real e, a ARA por decreto e a TEB por interdito. Esar no v.8 é uma lei “que se não pode revogar”.

b) Gzerah. Literalmente "coisa decidida". Outro termo aramaico usado por duas vezes em Daniel (4.17,24), com o sentido de uma sentença decretada ou decidida: “este é o decreto do Altíssimo”, ou “isto é o que o Altíssimo decidiu”. Deus na qualidade de Rei de toda a terra, segundo afirma o AT, baixa decretos (Sl 2.7). Assim é dito de um decreto para a chuva (Jó 28.26) e outro para o mar (Pv 8.29), os quais naturalmente, são as leis impingidas na natureza. Geralmente, distingui-se entre decreto e preceito divino. O preceito refere-se aos mandamentos e às leis que Deus estabelece para as Suas criaturas, mandamentos estes que exigem obediência mas que freqüentemente são transgredidos. O decreto, por outro lado, refere-se ao plano eterno, abrangente, imutável e eficaz de Deus, que é levado a efeito na história.
[1]

c) Dath. Literalmente "lei, decisão baixada". Termo hebraico usado por vinte e duas vezes nas Escrituras e que não difere dos sentidos anteriores (Et 2.8; 3.15; 9.1,13,14; Dn 2.9,13,15).

Na língua de Homero, o termo dogma é traduzido por decreto por cinco vezes. Em Lucas 2.1 para referir-se ao “decreto da parte de César Augusto”, em Atos 16.4 a ARA traduz por decisões, enquanto a ARC por “decretos que haviam sido estabelecidos” (ver 17.7). Em Efésios 2.15 é traduzido por ordenança, que naturalmente, subjaz o sentido básico de decreto, visto estar referindo-se a Lei promulgada aos israelitas no Monte Sinai (cf Cl 2.14). Por fim, Colossenses 2.20 usa o verbo no indicativo presente da segunda pessoa do plural “dogmatizesthe”, traduzido por “vos sujeitais a ordenanças”.

O uso destes termos nas Escrituras, excetuando aqueles que se referem a Lei, no entanto, não aparecem com matizes teológicas, ao contrário, para indicar as decisões oficiais dos soberanos, os decretos do concílio de Jerusalém e para indicar a Lei mosaica, nunca para afirmar qualquer plano eterno da Divindade.

No desenvolvimento do nosso estudo, verificaremos que a expressão “decretos de Deus ou decretos divinos” é termo mais teológico do que bíblico, visto que nas Escrituras o vocábulo não estatui qualquer sentido doutrinário importante. Ao usarmos a expressão estamos de acordo com a tradição teológica que usa deliberadamente o termo sem qualquer hesitação.
Terminologia Teológica

Os teólogos costumam definir os decretos de Deus como:

a) A doutrina do Decreto de Deus, é definida pelo Breve Catecismo de Westminster, como:

“o Seu [Deus] eterno propósito, segundo o conselho da Sua vontade, pelo qual, para a Sua própria glória, Ele predestinou tudo o que acontece”.

b) Thiessem refere-se aos decretos de Deus nesses termos:

“ Os decretos são o eterno propósito de Deus. Ele não faz ou altera Seus planos à medida que a história humana vai se desenvolvendo; Ele faz esses planos na eternidade e eles permanecem inalterados. Os decretos são baseados em Seu mui sábio e santo desígnio.”[2]

c) Alfredo Teixeira, teólogo presbiteriano, trata da obra da criação com base nos decretos divinos, afirma:“ Se um engenheiro não inicia a construção de um edifício sem um projeto em que toda obra é prevista, e o mesmo acontece com todo artista sensato em seus empreendimentos, quanto mais necessário não seria que, na criação do universo, o seu Autor não tivesse um Plano. É inconcebível que Deus iniciasse a obra sem saber o que dela ia sair.” [3]
d) Bancroft, define os decretos de Deus como:
“O conselho de Deus é o plano eterno para a totalidade das coisas, adotado pelo desígnio de Deus e que abrange todos os Seus primitivos propósitos, inclusive todo Seu programa criador e remidor e levando em conta ou aproveitando a livre atuação dos homens.” [4]

e) O teólogo Fred H. Klooster [5], define os decretos de Deus como:“O “decreto” de Deus é um termo teológico correspondente ao planos abrangente que Deus estabeleceu de modo soberano na eternidade, com relação ao mundo e à sua história.”


f) Segundo Champlin, os decretos divinos, cumprem cinco propósitos específicos:
“ Essa é a expressão usada na teologia para indicar aqueles atos da vontade de Deus que: (1) representam o seu propósito; (2) estavam presentes com ele desde a eternidade passada; (3) são cumpridos por ele dentro do tempo e do contexto humano; (4) determinam o curso da história, coletiva ou individualmente; (5) determinam o destino espiritual dos homens e dos anjos” . [6]


g) O teólogo e pastor assistente da Assembléia de Deus West End, em Richmond, define os decretos de Deus, como:

“Os decretos divinos são o seu plano eterno que, em virtude de suas características, faz parte de um só plano, que é imutável e eterno (Ef 3.11; Tg 1.17). São independentes e não podem ser condicionados de nenhuma maneira (Sl 135.6). Têm a ver com as ações de Deus, e não com a sua natureza (Rm 3.26). Dentro desses decretos, há as ações praticadas por Deus, pelas quais Ele, embora permita que aconteçam, não é responsável. Baseado nessa distinção, torna-se possível concluir que Deus nem é o autor do mal...nem é a causa do pecado.” [7]

h)Segundo o teólogo Lewis Sperry Chafer [8]:
“O termo decreto divino é uma tentativa de reunir em uma única designação aquilo a que as Escrituras se referem por diversas designações: o propósito divino (Ef 1.11), o determinado desígnio (At 2.23), a presciência (1 Pe 1.2 comp. 1.20), a eleição (1 Ts 1.4), a predestinação (Rm 8.30), a vontade divina (Ef 1.11) e o beneplacito divino ( Ef 1.9).
Continua...
Notas
[1] Fred H. KLOSSTER, Decretos de Deus, in Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Crista, ed. W.A. Elwell, p. 400
[2] Henry Clarence THIESSEN, Palestras em Teologia Sistemática, p. 96
[3 Alfredo Borges TEIXEIRA, Dogmática Evangélica, p.98.
[4] E. H. BANCROFT, Teologia Elementar, p.81.
[5] Fred H. KLOSSTER, Decretos de Deus, Enciclopédia Histórico teológica da Igreja Crista, ed. W.A. Elwell, p. 400
[6] R. N. CHAMPLIN & J.M. BENTES, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, VL I, p. 30
[7] Russell E. JOINER, O Deus ünico e Verdadeiro, in: Teologia Sistemática, Stanley M. Horton (ed.), p. 153
[8] Teologia Sistemática, p. 195

"TEOLOGIA COM GRAÇA: TEOLOGANDO COM VOCÊ."

Observações: Serão publicados uma série de cinco artigos em sequência com o mesm0 titulo e temas diferenciados versando sobre "Os Decretos Divinos e a Origem do Mal"

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Os Decretos Divinos e a Origem do Mal...

Os Decretos Divinos e a Origem do Mal (II)


Terminologia Bíblica para os Decretos de Deus

Apesar de não encontrarmos nas Sagradas Escrituras a expressão “decretos de Deus”, a doutrina e sua sistematização não deixa de ser correlativo a elas. Seguindo a logia deBerkhof , “Não são descritas abstratamente na Escritura, mas são colocadas diante de nós em suas concretização histórica” [1]. Os decretos divinos são observados em conluio com a revelação progressiva de Deus na história e, não independente dela. Só podemos saber, portanto, através de uma revelação especial de Deus na historicidade humana.

Termos BíblicosA Escritura vetero e neotestamentária emprega diversos vocábulos que traduzemcorretamente o sentido doutrinário e teológico dos decretos de Deus.

No Antigo TestamentoOs vocábulos no AT são usados em dois sentidos básicos: os que acentuam o elemento intelectual do decreto e, os termos que salientam o elemento volitivo [2].

Etsah, de yaatslit. aconselhar, dar aviso. O lexema é usado em  38.2, é traduzido na ARA por desígnio, na ARC por conselho e, na TEB por providência. Desígnio refere-se ao plano, providência de Deus ou ao conselho dado por um sábio [3]. Em Isaías 46.11 o Senhor afirma: “ O que eu disse, eu o cumprirei; formei o plano, e o executarei”. (ECR).
Sod, de yasadlit. sentar-se junto para deliberação. Particularmente, Jeremias 23.18,22 fala-se de decisões tomadas na corte celestial ignoradas pelos falsos profetas.


Mezimmah, de zamamlit. meditar, ter em mente, propor-se a. É o que ocorre em Jeremias 4.28 “..porque falei, resolvi e não me arrependo, nem me retrato” (cf. 51.12).
Hõqlit. mandamentos, decretos. É um dos termos mais próximos na Bíblia, àquilo que os teólogos chamam de “decretos divinos”. O termo aparece em diversos textos das Escrituras das quais as mais importantes estão no Salmo acróstico 119. 5,8.12,: “Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca”; “Cumprirei os teus decretos”; “ensina-me os teus preceitos”.

Cada um dos termos acima acentuam o elemento intelectual do decreto divino, a seguir observaremos os que salientam o elemento volitivo.

Shophetlit. inclinação, vontade, beneplácito. Em Isaías 53.10 o termo é usado para designar o ato da vontade permissiva de Deus que permitiu que Cristo sofresse a favor dos pecadores: “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo”. A idéia corrente por trás desse texto é que ao sofrer, o servo sofredor e, seus carrascos, estavam cumprindo um propósito determinado anteriormente por Deus (vide v.6).

Ratsonlit. agradar, deleitar-se. Deus só pode se satisfazer com aquilo mesmo que ele determinou para seu deleite. Isto denota vontade soberana, deleite ou beneplácito (Sl51.19).

Novo Testamento
O texto grego do Novo Testamento contém numerosos e significativos vocábulos, entre eles:
Boule. Este termo ocorre em diversos textos neotestamentários significativos ao estudo em apreço. O significado primário deste lexema é conselho, resolução, desígnio, propósito e projeto. O vocábulo é usado principalmente para referir-se à crucificação como parte do plano divino relativo ao Messias.

Em Atos 2.23, Pedro afirma: “ Sendo este entregue pelo determinado desígnio (boule) epresciência (prognosei) de Deus”. ARC, traduz por “determinado conselho”, a NVI por “propósito determinado e pré-conhecimento de Deus” , a TEB por “plano bem-determinado da presciência de Deus”.

Neste texto o desígnio ou propósito de Deus está associado com a sua presciência. Apresciência de Deus é o conhecimento prévio que Deus possui de todas as coisas, tanto finitas quanto eternas, de modo que nada do que ocorre acontece sem o conhecimento d’Ele. Pela sua presciência, ele determinou e projetou a redenção humana. Pedro usa o termo prognoseimais uma vez em 1 Pe 1.2, referindo à eleição dos santos.
Tanto boule quanto prognosei aludem ao eterno propósito divino (Is 53.10) de entregar Jesus à crucificação. A crucificação de Jesus era, ao mesmo tempo, parte necessária do destino do Messias e, parte do plano divino de Deus; porém, paralelamente a isso, aqueles que agiram de conformidade com o plano divino, fizeram-no por impulso de sua própria vontade maliciosa. No entanto, os personagens que assim o crucificaram, estavam, mesmo sem saber, cumprindo um projeto arquitetado por Deus desde a eternidade. A oração do crentes primitivos (At 4.27,28), testificava de que Herodes,Pôncio Pilatos, os gentios, e os povos de Israel, fizeram “ .. tudo o que a tua mão e o teu conselho predeterminaram que se fizesse”.
O apóstolo Paulo, em Efésios 1.11, usa o termo boule, ao contrário, para referir-se aoprojeto salvífico, elegendo, predestinando, filiando e redimindo aos que crêem (vs. 4, 5,,7); “nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade.” (NVI).

Rinaldo Fabris [4], traduz o texto grego como se segue: “Nele, também nós participamos da salvação. Deus, que tudo realiza segundo sua decisão, nos integrou gratuitamente em seu projeto,” Aqui, o projeto ou plano de Deus, está relacionado às “bênçãos espirituais em Cristo” (Ef 1.3) concedida gratuitamente aos eleitos. Assim como, boule aparece com o termo prognosei, clareando e ratificando o “desígnio de Deus”, no texto de Atos, também aparece com outros dois termos significativos no texto de Efésios. O primeiro deles é mystêrion, v.9, e o segundo é predestinar, proorízovs.5,11.

Notas
[1] Louis BERKHOF,. Teologia Sistemática, p.102[2] Ibid., p.102[3] Francis I.ANDERSEN, - Introdução e Comentário, p. 272-3[4] As Cartas de Paulo (III), p. 147

Observações: Serão publicados uma série de cinco artigos em sequência com o mesm0 titulo e temas diferenciados versando sobre "Os Decretos Divinos e a Origem do Mal"

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A síndrome de Adão...

A síndrome de Adão – Por que devemos valorizar a história


Freqüentemente nos deparamos com pessoas que não gostam de história. Isso pode ser conseqüência de experiências desagradáveis em sala de aula, da dificuldade em guardar nomes e datas ou simplesmente uma questão de preferência. Certos indivíduos não sentem atração por história, assim como outros não apreciam inglês, química ou matemática.

Porém, uma coisa é não gostar de história como matéria, como área de estudo; outra coisa bem diferente e não gostar da história, ou seja, não valorizar a história, não considerá-la algo importante. Essa é uma tendência muito comum em nossos dias: o desprezo ou indiferença em relação à história, como se fosse algo dispensável, algo que só interessa a estudiosos ou diletantes.

Essa atitude é no mínimo lamentável e no máximo perigosa. Lamentável porque devido a esse desinteresse as pessoas deixam de conhecer muitas coisas valiosas que poderiam enriquecer as suas vidas e dar-lhes maior apreço por tantas realidades que as cercam. Perigosa porque a história é repleta de lições e advertências sobre coisas muito sérias, e quando as pessoas a ignoram, deixam de aprender com ela e correm o risco de repetir os seus erros.

Essa posição negativa em relação à história pode ser descrita como a “síndrome de Adão”. Sendo o primeiro ser humano, Adão não tinha história, não tinha um passado, uma herança social e cultural. Muitas pessoas se comportam como se fossem Adão, como se tudo tivesse começado com elas, como se nenhuma coisa importante tivesse acontecido antes do seu tempo. Esta lição tem o objetivo de mostrar que tal atitude não é saudável, por várias razões importantes.

1. História e identidade
Mesmo que não valorizem a história no sentido amplo, a maior parte dos seres humanos se preocupam com ela num âmbito mais restrito, pessoal. Por exemplo, quase todas as pessoas têm curiosidade em conhecer a sua árvore genealógica, em obter informações sobre a sua família, os seus antepassados. Hoje em dia existem firmas especializadas em fazer esse tipo de pesquisa para os interessados. Com freqüência, os meios de comunicação mostram pais procurando filhos e especialmente filhos procurando pais, buscando preencher lacunas importantes em suas vidas, em sua personalidade.

As pessoas em geral também gostam de relembrar os eventos importantes da sua vida – e mesmo aqueles não tão importantes, mas que as marcaram de algum modo. Essa é uma das razões porque temos álbuns de fotografias, escrevemos diários, contamos “casos” e comemoramos datas especiais. Isso resulta da consciência de que essas coisas são muito nossas e de que, se não as valorizarmos, ninguém mais o fará. Quanto mais idosas as pessoas se tornam, mais importantes se tornam essas recordações e reminiscências – essa história.
Qual a razão desses comportamentos? É o fato de que a história, mesmo que apenas pessoal e familiar, tem a ver com quem nós somos, com a nossa identidade como seres humanos. Quem não conhece a sua história, fica privado dos seus referenciais, das suas raízes. Por isso é tão triste a situação de indivíduos que, por causa de um acidente, trauma ou doença, perdem a memória e não sabem mais quem são. Em outros casos, um incêndio, inundação ou sinistro semelhante pode destruir documentos e objetos que marcaram a trajetória de uma vida, de uma família, com grande perda para a auto-imagem das pessoas envolvidas.

É por esse motivo que, de acordo com a legislação brasileira, existem certos bens muito pessoais que nunca podem ser retirados de alguém a título de pagamento de dívida, como é o caso de cartas, fotos e outros objetos de valor afetivo. Essas coisas têm um significado para essas pessoas que não pode ser avaliado economicamente, por serem parte da sua trajetória de vida.

O que muitas pessoas deixam de perceber é que não só os eventos da nossa vida pessoal contribuem para a nossa identidade, mas também os acontecimentos mais amplos da sociedade e do mundo ao nosso redor. Não só os indivíduos e famílias têm uma identidade, mas os grupos, a coletividade e nações inteiras. Talvez seja essa uma das principais causas da crise de identidade que vive o Brasil contemporâneo – a incapacidade de encarar de frente a nossa história e aprender com os seus acertos e desacertos.

Uma apreciação da nossa história irá nos ajudar a entender os aspectos positivos do nosso patrimônio cultural. Por um lado, iremos saber de onde veio a mistura de raças, o jeito alegre de ser, a musicalidade, o folclore, a riqueza do idioma e da literatura, a afetividade e tantas outras características positivas do nosso caráter nacional. Por outro lado, compreenderemos melhor como surgiram o individualismo, o desprezo pela lei, a corrupção na vida pública e as desigualdades sociais que tanto nos envergonham e prejudicam. Compreendendo os mecanismos que deram origem a esses problemas, estaremos mais capacitados para corrigi-los.

2. Uma fé histórica
Os cristãos têm fortíssimas razões adicionais para valorizar a história – razões de natureza bíblica e teológica. A Escritura nos mostra que o povo de Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, tem uma profunda ligação com a história. Mais ainda: Deus e a sua salvação estão intimamente ligados à história humana.

A fé judaico-cristã afirma que o Ser Divino é ao mesmo tempo transcendente e imanente. Como um Ser transcendente, Deus está acima e além do tempo e do espaço, sendo, portanto, aistórico, ou seja, não sujeito aos condicionamentos da história. Ele é infinito, eterno e imutável, ao contrário de tudo o mais que existe, do universo criado.

Ao mesmo tempo, Deus é imanente, isto é, relaciona-se de perto com a sua criação, atua diretamente no mundo em atividades de revelação, providência e redenção. Como diz o título original de um livro de Francis Schaeffer, “ele está presente e não está calado” (publicado pela Editora Cultura Cristã com o título O Deus que se revela).

Deus se relaciona com a história de duas maneiras principais. Em primeiro lugar, em sua soberania ele dirige a história, ainda que muitas vezes o faça de maneira incompreensível e insondável para nós. O cristianismo tem uma concepção linear da história, como algo que tem um princípio, um meio e um fim. Em cada uma dessas etapas, Deus é o personagem central. O grande teólogo e bispo da antiguidade Agostinho de Hipona foi o primeiro a elaborar uma filosofia cristã da história em sua obra A cidade de Deus, na qual analisa a história do mundo desde a criação até a consumação, à luz da obra da redenção.

Todavia, em um sentido ainda mais rico e sublime, Deus se relaciona com a história entrando ele mesmo, pessoalmente, nessa história através de Jesus Cristo, seu Filho. Por isso a verdade da encarnação é tão importante para os cristãos. Crer na encarnação significa crer que o Deus transcendente e eterno literalmente veio ao mundo e se identificou profundamente com a sua criação, assumindo uma natureza humana integral. Ele o fez com o objetivo de restaurar o seu relacionamento com as suas criaturas. Ninguém expressou isso de modo tão claro e direto quanto o apóstolo Paulo, quando disse: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19).

A própria Bíblia é um livro de histórias e da grande história. No Antigo Testamento, os judeus foram instruídos a lembrar continuamente os grandes eventos libertadores de Deus, através de cerimônias e festividades, bem como ensiná-los de contínuo a seus filhos (ver Êx 12.11-14,24-27; 13.6-9,14-16; Lv 23.41-43; Dt 6.6-9,20-23). Isso era fundamental para a preservação da sua identidade religiosa e nacional e para que nunca deixassem de ser gratos a Deus por suas bênçãos (ver os Salmos 105 e 136).

Os livros do Novo Testamento foram escritos para que a história de Jesus fosse preservada e compartilhada com as próximas gerações. Nos evangelhos e nas epístolas, os apóstolos revelam a sua convicção de que essas informações eram fundamentais para a fé e a vida dos cristãos (Lc 1.1-4; Jo 20.30-31; 1Co 15.1-4). Jesus quis que o ato central da sua obra redentora recebesse especial atenção e por isso instituiu a ordenança da Ceia, recomendando: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22.19; 1Co 11.24-25).

Ao contrário de muitas religiões, cujas convicções se baseiam em mitos supramundanos e supratemporais, a fé bíblica insiste que os seus grandes atos redentores foram realizados por Deus em eventos históricos concretos com o êxodo, a encarnação, a cruz e a ressurreição. Ora, se a história é tão importante assim para Deus, certamente o deve ser para os seus filhos. Sendo o cristianismo uma religião profundamente histórica, os cristãos, se quiserem ser coerentes com a sua fé, devem valorizar intensamente a história, palco da atuação soberana e graciosa de Deus em ações providenciais e redentoras.

3. O exemplo dos reformadores
Os reformadores protestantes do século 16 se sentiram tentados pela síndrome de Adão. Ao romperem com a sua antiga igreja – por entenderem que ela havia se afastado do ensino das Escrituras em muitos pontos importantes –, eles correram o risco de deixar tudo para trás, inclusive certos elementos válidos e bons que deviam ser preservados.

Alguns grupos protestantes cometeram esse erro, principalmente entre os chamados “radicais”, “fanáticos” ou “espiritualistas” (apelidos dados aos anabatistas extremados). Lutero questionou muitas coisas da igreja medieval, mas manteve determinados elementos doutrinários e litúrgicos da antiga tradição. Ulrico Zuínglio, o reformador de Zurique, na Suíça, foi mais longe que Lutero em sua obra de retorno às Escrituras e reforma da igreja. Por isso, os seus seguidores ficaram conhecidos como “reformados”.

Pois bem, em Zurique, alguns simpatizantes iniciais de Zuínglio chegaram à conclusão de que ele não estava sendo profundo o suficiente em sua obra de reforma, pois ainda mantinha certas práticas “papistas” como o batismo por aspersão e o batismo de crianças. Assim sendo, os anabatistas passaram a atacar Zuínglio e seu trabalho de reforma, dizendo que queriam viver como nos dias do Novo Testamento, conforme se vê no livro de Atos dos Apóstolos.

Zuínglio e depois dele Calvino disseram não a essa atitude. Eles sabiam que o cristianismo e a igreja não haviam começado com eles, mas que eram herdeiros de 1.500 anos de história. Não era possível voltar do século 16 diretamente para o século 1º como se nada tivesse acontecido ao longo desse período. Dizer que entre o final da era apostólica e a Reforma não havia ocorrido nada de bom seria o mesmo que dizer que Deus ficou mais de um milênio sem um povo no mundo, que o Espírito Santo se manteve ausente da igreja, que a promessa de Jesus – “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” – ficou inoperante.

Portanto, ao mesmo tempo em que os reformadores foram implacáveis em condenar e abandonar tudo o que, no seu entender, conflitava com a Palavra de Deus, eles foram sábios o bastante em manter muitos elementos que consideraram não só válidos, mas um patrimônio precioso a ser preservado e cultivado pelos cristãos – nas áreas da reflexão teológica, da interpretação bíblica, da elaboração litúrgica, da pregação, das missões transculturais e assim por diante.

Citemos alguns exemplos concretos no caso da tradição reformada. João Calvino e os seus simpatizantes tinham grande apreço pelas declarações de fé da igreja antiga, como o Credo dos Apóstolos, que é analisado em muitos documentos doutrinários e confessionais da fé reformada. Eles também nutriam grande admiração pelas formulações teológicas sobre Deus, a Trindade e a pessoa de Cristo feitas pelos grandes concílios dos séculos 4º e 5º (Nicéia, Constantinopla, Calcedônia). Além disso, o reformador de Genebra citou abundantemente em seus escritos autores antigos e medievais como Agostinho, João Crisóstomo, Bernardo de Claraval e outros, reconhecendo as suas valiosas contribuições nas áreas da doutrina e da espiritualidade cristã.

Na verdade, o débito dos reformadores para com Agostinho, que viveu no 5º século, é imenso. Em áreas como a antropologia (doutrina do ser humano), soteriologia (salvação) e eclesiologia (igreja) a teologia da Reforma inspirou-se diretamente e profundamente nas reflexões do bispo de Hipona, que viveu muito tempo depois dos apóstolos, mas foi uma testemunha fiel de Cristo em sua geração.

4. O que devemos fazer
As considerações acima nos mostram a importância da história bíblica, da história da igreja e até mesmo da história secular. Portanto, quais devem ser as nossas atitudes diante disso? Em primeiro lugar, precisamos recordar continuamente a história em busca de ensinos relevantes para a nossa vida. Essa é uma ênfase encontrada com freqüência nas páginas da Escritura. A recordação pode ter como objeto episódios negativos, quer na vida pessoal (Dt 24.9; Lc 17.32) ou coletiva (Salmos 78 e 106), servindo assim de solene advertência. Mais comumente, essa recordação é positiva, constituindo-se em motivo de humildade, aprendizado, gratidão e louvor (Dt 8.1-20; 15.15; 16.12; Ef 2.1-7; Tt 3.3-7).

Em segundo lugar, deve-se ter em mente que para recordar a história é preciso conhecê-la. E só podemos conhecer lendo, pesquisando e estudando. Isso se aplica tanto à história bíblica quanto à história da igreja e da sociedade. Atualmente as editoras evangélicas brasileiras disponibilizam uma grande quantidade de obras valiosas nessa área, de autores nacionais e estrangeiros. Essas obras variam no seu grau de complexidade e abrangência, estando ao alcance de pessoas com diferentes graus de instrução.

Em terceiro lugar, é preciso considerar que não se deve conhecer e valorizar a história por um simples saudosismo e apego ao passado. A história pode nos ajudar a viver melhor o presente e a construir um futuro mais promissor. Uma coisa de que nunca se deve esquecer é o fato de que todos nós somos parte do grande fluxo da história e de que continuamos a escrevê-la no presente, com as nossas ações, com a nossa vida, sob a orientação de Deus.

A história nos permite acreditar na capacidade humana para o bem, para a nobreza, para a virtude, mas também nos alerta para não subestimarmos a horrível potencialidade humana para a crueldade e para a vileza, como os acontecimentos hodiernos nos revelam a cada momento. O mesmo século 20 que viu tantas conquistas e realizações notáveis nos campos da arte, da ciência e da tecnologia, também testemunhou a barbárie do genocídio, a loucura do terrorismo e a insensatez da devastação ambiental.

Conclusão
É importante que nessa área, como em todas as outras, nós tenhamos uma cosmovisão ou perspectiva bíblica, cristã e reformada. Sim, porque existem na atualidade as mais diferentes concepções e interpretações da história – evolucionistas, niilistas, marxistas, fatalistas e outras.

Como cristãos, cremos que a história tem um sentido e um propósito. Vivendo num mundo de pecado e alienação, nem sempre podemos discernir esse sentido e propósito em cada evento. Mas confiamos que Deus está no controle último de todas as coisas. Ele nos convida para sermos, não expectadores passivos, mas co-participantes na construção do seu reino de justiça e paz. Como alguém alertou, “para que o mal triunfe, basta que os homens de bem não façam nada”.

Tenhamos uma visão equilibrada da história e do nosso lugar nela. Conforme acentuou Agostinho, no centro da história humana, com suas inquietações e perplexidades, está a cruz de Cristo como sinal de contradição e de esperança. Remidos pelo Senhor, iluminados por seu Espírito e sustentados por sua graça, façamos uso consciencioso das nossas capacidades e recursos, dando assim a nossa contribuição, ainda que modesta, para a prosperidade e o bem-estar da igreja e do mundo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

MISSÕES 1...



A imigração e a evangelização na história missionária

O cristianismo nasceu com uma vocação de universalidade. Os documentos fundantes da igreja deixam claro que a mensagem cristã – o evangelho – deveria ser proclamada indistintamente a pessoas de todos os povos e nações. Assim sendo, desde o início os cristãos atravessaram intencionalmente fronteiras nacionais, étnicas e culturais. Ao fazer isso, a igreja tanto influenciou quanto foi influenciada pelos ambientes nos quais se inseriu, como ocorreu na transição do seu berço judaico original para o mundo greco-romano.

Como não poderia deixar de ser, esse fenômeno também teve enormes repercussões para a expansão missionária da igreja. A extraordinária mobilidade geográfica dos primeiros cristãos foi um dos principais fatores que contribuíram para a rápida difusão da fé nas primeiras décadas e, de fato, nos primeiros séculos.

O maior responsável pelo crescimento da igreja não foram os esforços metódicos e organizados de líderes como o apóstolo Paulo, mas o testemunho informal de cristãos comuns que por onde iam compartilhavam com as pessoas as suas novas convicções.

1. Um tema bíblico marcante
Curiosamente, essa relação entre fé e mobilidade física é um dos temas salientes das Escrituras. Com muita freqüência, os personagens bíblicos foram indivíduos que se deslocaram por longas distâncias, que viveram como nômades, seja por causa de alguma convocação divina, seja em busca de novas oportunidades ou sob pressão de circunstâncias adversas. Entre os exemplos mais conhecidos do Velho Testamento estão os patriarcas, a começar de Abraão, e os filhos de Israel após a sua libertação do cativeiro egípcio (ver Gn 12.1; 23.4; At 7.6; Hb 11.8-10,13). No período do Novo Testamento, Jesus fez o caminho inverso, sendo levado recém-nascido para o Egito, como refugiado da ira de Herodes. Mais tarde, durante o seu ministério itinerante, ele haveria de dizer que não tinha um lugar onde reclinar a cabeça (Mt 8.20).

Não por coincidência, a figura do peregrino, do estrangeiro e do migrante povoa as páginas da Bíblia, como símbolo da vida do cristão neste mundo, caminhando em direção à pátria celeste (ver 1 Pe 1.1,17; 2.11). Às vezes a metáfora aponta na direção oposta, como quando Paulo diz aos gentios efésios que, graças à obra reconciliadora de Deus por meio de Cristo, eles já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus (Ef 2.19). De qualquer modo, a poderosa imagem da peregrinação sempre tem causado forte impacto na consciência cristã e muitas vezes a relação entre fé e migração se manifesta literalmente na vida de muitos cristãos, aqueles que se deslocam por causa de sua fé ou aqueles que, ao se deslocarem, contribuem para a difusão da fé.

2. Alcançando e sendo alcançados
Obviamente, nem sempre na história da igreja os grupos imigrantes foram agentes da evangelização, e sim objeto da mesma. Isso aconteceu com os impressionantes deslocamentos humanos que foram as “invasões” bárbaras na Europa dos séculos quarto e quinto. Na verdade, o que esses povos da Ásia e da Europa oriental fizeram foi migrar para o rico Império Romano em busca de melhores condições de vida. E à medida que foram conquistando, foram conquistados. Chegaram pagãos e se tornaram cristãos. Foi o caso dos francos, burgúndios, vândalos, alanos, suevos e outros. Uma interessante exceção foram os visigodos. Esse povo, oriundo da região do mar Negro, já havia sido cristianizado antes de se deslocar para a Europa ocidental. Todavia, haviam adotado uma forma dissidente de cristianismo, o arianismo, que negava a plena divindade de Cristo. Foi somente mais tarde, quando já haviam se estabelecido firmemente na Península Ibérica, que abraçaram o cristianismo ortodoxo, trinitário.

Também foi curioso o que aconteceu nas Ilhas Britânicas. Nos primeiros séculos da era cristã, o cristianismo se implantou entre vários povos daquela região, notadamente os celtas e os bretões. Não se sabe exatamente como isso aconteceu, mas um nome associado com esse período é o de Patrício, que viveu no quinto século. Todavia, em meados daquele século, dois povos pagãos do norte da Europa, os anglos e os saxões, invadiram a Britânia, que assim passou a chamar-se Inglaterra (terra dos anglos). Esses povos eliminaram boa parte do cristianismo celta e foram eventualmente cristianizados pelos esforços de missionários enviados pelo papa Gregório Magno (590-604). Tais fenômenos se repetiram muitas vezes ao longo da Idade Média. Outra página gloriosa das missões cristãs foi o trabalho dos nestorianos na Ásia, durante muitos séculos. Esse grupo, embora marginalizado pela igreja oficial e considerado herético, levou a mensagem de Cristo a muitos lugares inóspitos e longínquos que nunca haviam sido atingidos pelo cristianismo majoritário.

As grandes navegações e os grandes descobrimentos efetuados pelos espanhóis e portugueses nos séculos 15 e 16 produziram um fato novo: pela primeira vez na história da igreja, grandes contingentes populacionais cristãos se transferiram para outras partes do mundo e contribuíram para a expansão da fé em territórios nunca antes alcançados. Foi o caso de muitas regiões da Ásia e da África, e mais especialmente da América Latina. Na verdade, a conquista e colonização dessa última região foi ao mesmo tempo um empreendimento político, comercial e religioso. Os conquistadores tinham a consciência de estarem expandindo não só os territórios de seus soberanos, mas os domínios da cristandade. Podem ser questionados o tratamento dados aos aborígenes e a qualidade da cristianização dos mesmos, mas trata-se de um caso em que se vê a nítida relação entre a imigração e a difusão da fé cristã.

3. As missões protestantes
É um fato conhecido da história das missões que os protestantes inicialmente foram um tanto lentos em se envolver com a evangelização do mundo. Nos séculos 16 e 17 houve apenas alguns esforços esporádicos e limitados. Todavia, quando esses esforços se tornaram mais organizados e consistentes, a imigração foi um dos recursos que mais contribuíram para a obra missionária. Um bom exemplo inicial foi o dos irmãos morávios, que migraram com suas famílias para muitas regiões difíceis e insalubres com o fim de viver entre outros povos, identificar-se com eles e anunciar-lhes o evangelho.

Todavia, ainda antes dos morávios, outro grupo de migrantes iniciou um experimento que teve amplas conseqüências para o protestantismo e para as missões cristãs – os puritanos da Nova Inglaterra. Os puritanos eram os calvinistas ingleses que lutavam pela plena reforma da Igreja da Inglaterra. Frustrados em seus objetivos e crescentemente reprimidos pelas autoridades seculares e eclesiásticas, resolveram procurar outras terras para viver de acordo com as suas convicções. Após uma breve tentativa mal-sucedida na Holanda, decidiram transferir-se para o Novo Mundo, a América, contribuindo decisivamente para o surgimento dos Estados Unidos. Embora inicialmente eles não tivessem uma motivação missionária, em pouco tempo começaram a evangelizar os indígenas e mais tarde colaboraram para criar uma cultura religiosa que desembocou no gigantesco empreendimento missionário norte-americano do século 19.

Graças à imigração, o protestantismo se tornou a expressão religiosa dominante em muitos outros países, como o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e a África do Sul, nos quais se radicaram elementos reformados, anglicanos e luteranos, entre outros. Em muitos países, a presença protestante, ainda que minoritária, também obteve o concurso decisivo da imigração. Ao mesmo tempo, não se pode adotar nessa matéria uma atitude triunfalista, porque em muitos casos a imigração e a colonização fizeram mais mal do que bem, produzindo uma verdadeira anti-evangelização. O exemplo clássico é a África do Sul, em que algumas igrejas compactuaram com o perverso sistema de discriminação e opressão racial conhecido como apartheid.

4. A experiência brasileira
Curiosamente, foi no Brasil que ocorreu a primeira tentativa da história do protestantismo mundial no sentido de evangelizar um povo não-cristão. Isso se deu em conexão com uma colônia francesa criada na baía da Guanabara em 1555, a França Antártica. A pedido do líder do empreendimento, Nicholas Durand de Villegaignon, o reformador João Calvino e a Igreja Reformada de Genebra enviaram catorze colonos, entre eles dois pastores. Esses imigrantes-missionários tinham dois objetivos: implantar uma igreja reformada entre os franceses e evangelizar os silvícolas. Nenhum desses objetivos pôde ser alcançado e quatro dos pioneiros acabaram sendo martirizados, mas esse evento se tornou um marco de grande importância na história das missões, nem sempre caracterizadas pelo sucesso.

No século seguinte, os holandeses calvinistas fizeram uma tentativa semelhante no nordeste brasileiro (1630-1654). Por algum tempo, tiveram grande êxito tanto na criação de igrejas para os imigrantes europeus quanto na evangelização dos indígenas. Preparavam-se mesmo para traduzir a Bíblia para o tupi e ordenar pastores nativos quando foram expulsos pelos portugueses.

A imigração acabou dando uma contribuição inesperada e decisiva para a implantação definitiva do protestantismo no Brasil. A nova nação independente necessitava de imigrantes para desenvolver a sua precária agricultura e criar indústrias até então inexistentes. A maior parte dos imigrantes disponíveis vinha de nações protestantes da Europa, que, além disso, estavam entre as mais desenvolvidas daquele continente. Com isso, o Império do Brasil, auxiliado pela atuação de políticos e intelectuais liberais, criou progressivamente uma legislação que permitiu a esses imigrantes o livre exercício da sua religião. Eles mesmos não procuraram difundir a sua fé entre os brasileiros, mantendo-se isolados no aspecto religioso, mas a legislação criada para beneficiá-los acabou por favorecer o ingresso e atuação das missões protestantes.

Um último fenômeno a ser destacado é o fato, já amplamente estudado pelos sociólogos, de que as pessoas que experimentam deslocamentos culturais profundos, como é o caso dos imigrantes, tornam-se mais suscetíveis a mudanças de convicção religiosa. Essa circunstância talvez explique o fato de que entre os membros das primeiras igrejas protestantes constituídas de brasileiros havia muitos imigrantes, notadamente portugueses e italianos.

Como aconteceu no passado, também nos dias de hoje o cristianismo continuar a atravessar barreiras geográficas e culturais. Um exemplo bem atual é o dos brasileiros que têm ido residir nos Estados Unidos, Europa e Japão e nesses lugares têm plantado igrejas e evangelizado tanto os seus patrícios como os naturais da terra. Esse é mais um elemento que tem contribuído para formar a grande multidão descrita pelo profeta de Patmos, composta de pessoas de todas as nações, tribos, povos e línguas (Ap 7.9).

Perguntas para reflexão:
1. Por que as figuras do peregrino, do viajante e do estrangeiro se tornaram símbolos tão importantes da vida cristã?

2. Os imigrantes cristãos sempre compartilharam com outros a sua fé? Em que circunstâncias a imigração não foi benéfica para a evangelização?

3. O que é necessário para que a experiência da imigração dê uma contribuição positiva para a obra missionária?

4. Nem todo imigrante é um missionário transcultural. O que dizer do oposto: Será que todo missionário transcultural é um imigrante?

5. O que deve fazer o cristão que vai viver, trabalhar e testemunhar no meio de outro povo para não dar a impressão de que o evangelho é uma coisa estrangeira, vinda de fora?

Sugestões bibliográficas:
BURNS, Bárbara; AZEVEDO, Décio de; CARMINATI, Paulo B. F de. Costumes e culturas: uma introdução à antropologia missionária. Baseado na obra de E.A. Nida. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
CALDAS FILHO, Carlos R. Fé e café. Manhumirim, MG: Didaquê, 1999.STEUERNAGEL, Valdir. Igreja: comunidade missionária – o reino de Deus e o povo peregrino. São Paulo: ABU Editora, 1978.STEUERNAGEL, Valdir. Obediência missionária e prática histórica: em busca de modelos. São Paulo: ABU Editora, 1993.TUCKER, Ruth A. “... Até aos confins da terra”: uma história biográfica das missões cristãs. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1996.WINTER, Ralph D.; HAWTHORNE, Steven C. (Eds.). Missões transculturais. 4 vols: Perspectiva bíblica, Perspectiva histórica, Perspectiva estratégica e Perspectiva cultural. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.
A imigração e a evangelização na história missionária

Alderi Souza de Matos

O cristianismo nasceu com uma vocação de universalidade. Os documentos fundantes da igreja deixam claro que a mensagem cristã – o evangelho – deveria ser proclamada indistintamente a pessoas de todos os povos e nações. Assim sendo, desde o início os cristãos atravessaram intencionalmente fronteiras nacionais, étnicas e culturais. Ao fazer isso, a igreja tanto influenciou quanto foi influenciada pelos ambientes nos quais se inseriu, como ocorreu na transição do seu berço judaico original para o mundo greco-romano.

Como não poderia deixar de ser, esse fenômeno também teve enormes repercussões para a expansão missionária da igreja. A extraordinária mobilidade geográfica dos primeiros cristãos foi um dos principais fatores que contribuíram para a rápida difusão da fé nas primeiras décadas e, de fato, nos primeiros séculos.

O maior responsável pelo crescimento da igreja não foram os esforços metódicos e organizados de líderes como o apóstolo Paulo, mas o testemunho informal de cristãos comuns que por onde iam compartilhavam com as pessoas as suas novas convicções.

1. Um tema bíblico marcante
Curiosamente, essa relação entre fé e mobilidade física é um dos temas salientes das Escrituras. Com muita freqüência, os personagens bíblicos foram indivíduos que se deslocaram por longas distâncias, que viveram como nômades, seja por causa de alguma convocação divina, seja em busca de novas oportunidades ou sob pressão de circunstâncias adversas. Entre os exemplos mais conhecidos do Velho Testamento estão os patriarcas, a começar de Abraão, e os filhos de Israel após a sua libertação do cativeiro egípcio (ver Gn 12.1; 23.4; At 7.6; Hb 11.8-10,13). No período do Novo Testamento, Jesus fez o caminho inverso, sendo levado recém-nascido para o Egito, como refugiado da ira de Herodes. Mais tarde, durante o seu ministério itinerante, ele haveria de dizer que não tinha um lugar onde reclinar a cabeça (Mt 8.20).

Não por coincidência, a figura do peregrino, do estrangeiro e do migrante povoa as páginas da Bíblia, como símbolo da vida do cristão neste mundo, caminhando em direção à pátria celeste (ver 1 Pe 1.1,17; 2.11). Às vezes a metáfora aponta na direção oposta, como quando Paulo diz aos gentios efésios que, graças à obra reconciliadora de Deus por meio de Cristo, eles já não são estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus (Ef 2.19). De qualquer modo, a poderosa imagem da peregrinação sempre tem causado forte impacto na consciência cristã e muitas vezes a relação entre fé e migração se manifesta literalmente na vida de muitos cristãos, aqueles que se deslocam por causa de sua fé ou aqueles que, ao se deslocarem, contribuem para a difusão da fé.

2. Alcançando e sendo alcançados
Obviamente, nem sempre na história da igreja os grupos imigrantes foram agentes da evangelização, e sim objeto da mesma. Isso aconteceu com os impressionantes deslocamentos humanos que foram as “invasões” bárbaras na Europa dos séculos quarto e quinto. Na verdade, o que esses povos da Ásia e da Europa oriental fizeram foi migrar para o rico Império Romano em busca de melhores condições de vida. E à medida que foram conquistando, foram conquistados. Chegaram pagãos e se tornaram cristãos. Foi o caso dos francos, burgúndios, vândalos, alanos, suevos e outros. Uma interessante exceção foram os visigodos. Esse povo, oriundo da região do mar Negro, já havia sido cristianizado antes de se deslocar para a Europa ocidental. Todavia, haviam adotado uma forma dissidente de cristianismo, o arianismo, que negava a plena divindade de Cristo. Foi somente mais tarde, quando já haviam se estabelecido firmemente na Península Ibérica, que abraçaram o cristianismo ortodoxo, trinitário.

Também foi curioso o que aconteceu nas Ilhas Britânicas. Nos primeiros séculos da era cristã, o cristianismo se implantou entre vários povos daquela região, notadamente os celtas e os bretões. Não se sabe exatamente como isso aconteceu, mas um nome associado com esse período é o de Patrício, que viveu no quinto século. Todavia, em meados daquele século, dois povos pagãos do norte da Europa, os anglos e os saxões, invadiram a Britânia, que assim passou a chamar-se Inglaterra (terra dos anglos). Esses povos eliminaram boa parte do cristianismo celta e foram eventualmente cristianizados pelos esforços de missionários enviados pelo papa Gregório Magno (590-604). Tais fenômenos se repetiram muitas vezes ao longo da Idade Média. Outra página gloriosa das missões cristãs foi o trabalho dos nestorianos na Ásia, durante muitos séculos. Esse grupo, embora marginalizado pela igreja oficial e considerado herético, levou a mensagem de Cristo a muitos lugares inóspitos e longínquos que nunca haviam sido atingidos pelo cristianismo majoritário.

As grandes navegações e os grandes descobrimentos efetuados pelos espanhóis e portugueses nos séculos 15 e 16 produziram um fato novo: pela primeira vez na história da igreja, grandes contingentes populacionais cristãos se transferiram para outras partes do mundo e contribuíram para a expansão da fé em territórios nunca antes alcançados. Foi o caso de muitas regiões da Ásia e da África, e mais especialmente da América Latina. Na verdade, a conquista e colonização dessa última região foi ao mesmo tempo um empreendimento político, comercial e religioso. Os conquistadores tinham a consciência de estarem expandindo não só os territórios de seus soberanos, mas os domínios da cristandade. Podem ser questionados o tratamento dados aos aborígenes e a qualidade da cristianização dos mesmos, mas trata-se de um caso em que se vê a nítida relação entre a imigração e a difusão da fé cristã.

3. As missões protestantes
É um fato conhecido da história das missões que os protestantes inicialmente foram um tanto lentos em se envolver com a evangelização do mundo. Nos séculos 16 e 17 houve apenas alguns esforços esporádicos e limitados. Todavia, quando esses esforços se tornaram mais organizados e consistentes, a imigração foi um dos recursos que mais contribuíram para a obra missionária. Um bom exemplo inicial foi o dos irmãos morávios, que migraram com suas famílias para muitas regiões difíceis e insalubres com o fim de viver entre outros povos, identificar-se com eles e anunciar-lhes o evangelho.

Todavia, ainda antes dos morávios, outro grupo de migrantes iniciou um experimento que teve amplas conseqüências para o protestantismo e para as missões cristãs – os puritanos da Nova Inglaterra. Os puritanos eram os calvinistas ingleses que lutavam pela plena reforma da Igreja da Inglaterra. Frustrados em seus objetivos e crescentemente reprimidos pelas autoridades seculares e eclesiásticas, resolveram procurar outras terras para viver de acordo com as suas convicções. Após uma breve tentativa mal-sucedida na Holanda, decidiram transferir-se para o Novo Mundo, a América, contribuindo decisivamente para o surgimento dos Estados Unidos. Embora inicialmente eles não tivessem uma motivação missionária, em pouco tempo começaram a evangelizar os indígenas e mais tarde colaboraram para criar uma cultura religiosa que desembocou no gigantesco empreendimento missionário norte-americano do século 19.

Graças à imigração, o protestantismo se tornou a expressão religiosa dominante em muitos outros países, como o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e a África do Sul, nos quais se radicaram elementos reformados, anglicanos e luteranos, entre outros. Em muitos países, a presença protestante, ainda que minoritária, também obteve o concurso decisivo da imigração. Ao mesmo tempo, não se pode adotar nessa matéria uma atitude triunfalista, porque em muitos casos a imigração e a colonização fizeram mais mal do que bem, produzindo uma verdadeira anti-evangelização. O exemplo clássico é a África do Sul, em que algumas igrejas compactuaram com o perverso sistema de discriminação e opressão racial conhecido como apartheid.

4. A experiência brasileira
Curiosamente, foi no Brasil que ocorreu a primeira tentativa da história do protestantismo mundial no sentido de evangelizar um povo não-cristão. Isso se deu em conexão com uma colônia francesa criada na baía da Guanabara em 1555, a França Antártica. A pedido do líder do empreendimento, Nicholas Durand de Villegaignon, o reformador João Calvino e a Igreja Reformada de Genebra enviaram catorze colonos, entre eles dois pastores. Esses imigrantes-missionários tinham dois objetivos: implantar uma igreja reformada entre os franceses e evangelizar os silvícolas. Nenhum desses objetivos pôde ser alcançado e quatro dos pioneiros acabaram sendo martirizados, mas esse evento se tornou um marco de grande importância na história das missões, nem sempre caracterizadas pelo sucesso.

No século seguinte, os holandeses calvinistas fizeram uma tentativa semelhante no nordeste brasileiro (1630-1654). Por algum tempo, tiveram grande êxito tanto na criação de igrejas para os imigrantes europeus quanto na evangelização dos indígenas. Preparavam-se mesmo para traduzir a Bíblia para o tupi e ordenar pastores nativos quando foram expulsos pelos portugueses.

A imigração acabou dando uma contribuição inesperada e decisiva para a implantação definitiva do protestantismo no Brasil. A nova nação independente necessitava de imigrantes para desenvolver a sua precária agricultura e criar indústrias até então inexistentes. A maior parte dos imigrantes disponíveis vinha de nações protestantes da Europa, que, além disso, estavam entre as mais desenvolvidas daquele continente. Com isso, o Império do Brasil, auxiliado pela atuação de políticos e intelectuais liberais, criou progressivamente uma legislação que permitiu a esses imigrantes o livre exercício da sua religião. Eles mesmos não procuraram difundir a sua fé entre os brasileiros, mantendo-se isolados no aspecto religioso, mas a legislação criada para beneficiá-los acabou por favorecer o ingresso e atuação das missões protestantes.

Um último fenômeno a ser destacado é o fato, já amplamente estudado pelos sociólogos, de que as pessoas que experimentam deslocamentos culturais profundos, como é o caso dos imigrantes, tornam-se mais suscetíveis a mudanças de convicção religiosa. Essa circunstância talvez explique o fato de que entre os membros das primeiras igrejas protestantes constituídas de brasileiros havia muitos imigrantes, notadamente portugueses e italianos.

Como aconteceu no passado, também nos dias de hoje o cristianismo continuar a atravessar barreiras geográficas e culturais. Um exemplo bem atual é o dos brasileiros que têm ido residir nos Estados Unidos, Europa e Japão e nesses lugares têm plantado igrejas e evangelizado tanto os seus patrícios como os naturais da terra. Esse é mais um elemento que tem contribuído para formar a grande multidão descrita pelo profeta de Patmos, composta de pessoas de todas as nações, tribos, povos e línguas (Ap 7.9).

Perguntas para reflexão:
1. Por que as figuras do peregrino, do viajante e do estrangeiro se tornaram símbolos tão importantes da vida cristã?

2. Os imigrantes cristãos sempre compartilharam com outros a sua fé? Em que circunstâncias a imigração não foi benéfica para a evangelização?

3. O que é necessário para que a experiência da imigração dê uma contribuição positiva para a obra missionária?

4. Nem todo imigrante é um missionário transcultural. O que dizer do oposto: Será que todo missionário transcultural é um imigrante?

5. O que deve fazer o cristão que vai viver, trabalhar e testemunhar no meio de outro povo para não dar a impressão de que o evangelho é uma coisa estrangeira, vinda de fora?

Sugestões bibliográficas:
BURNS, Bárbara; AZEVEDO, Décio de; CARMINATI, Paulo B. F de. Costumes e culturas: uma introdução à antropologia missionária. Baseado na obra de E.A. Nida. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
CALDAS FILHO, Carlos R. Fé e café. Manhumirim, MG: Didaquê, 1999.STEUERNAGEL, Valdir. Igreja: comunidade missionária – o reino de Deus e o povo peregrino. São Paulo: ABU Editora, 1978.STEUERNAGEL, Valdir. Obediência missionária e prática histórica: em busca de modelos. São Paulo: ABU Editora, 1993.TUCKER, Ruth A. “... Até aos confins da terra”: uma história biográfica das missões cristãs. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1996.WINTER, Ralph D.; HAWTHORNE, Steven C. (Eds.). Missões transculturais. 4 vols: Perspectiva bíblica, Perspectiva histórica, Perspectiva estratégica e Perspectiva cultural. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.

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