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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Reportagem sobre estupro de freiras dentro da Igreja Católica Romana...



Socióloga lança pesquisa que mostra como a Igreja Católica encobre os crimes sexuais cometidos por padres contra mulheres
A socióloga da religião Regina Soares Jurkewicz* é católica. Mas do tipo que provoca calafrios na ala conservadora. Ela passou os últimos dois anos e meio dedicando-se a investigar as estratégias usadas pela cúpula da Igreja para silenciar vítimas, proteger agressores e encobrir crimes sexuaiscometidos por sacerdotes. A pesquisa, financiada pelo Fundo de Desenvolvimentodas Nações Unidas para a Mulher (Unifem), é parte de sua tese de doutorado em Ciências da Religião desenvolvida na PUC de São Paulo. Ao se debruçar sobre 21 casos denunciados pela imprensa e esmiuçar dois deles em profundidade, Regina concluiu que a Igreja Católica no Brasil se coloca acima das leis do Estado ao tentar – e em geral conseguir – manter os casos de violência sexual dentro de suas sólidas paredes.
A pesquisa será lançada em evento na noite do dia 28, em São Paulo, no Espaço de Cidadania André Franco Montoro, no Pátio do Colégio, pela organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir, com o título Desvelando a Política do Silêncio: o Abuso Sexual de Mulheres por Padres no Brasil. No debate, estarão três feministas e pelo menos um padre, Ronaldo Zacharias, diretor do Campus Pio XI do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. A socióloga recebeu ÉPOCA com exclusividade para a seguinte entrevista.
ÉPOCA – A senhora escolheu investigar a violência sexual de padres contra mulheres em vez concentrar a pesquisa na pedofilia, que é o tema mais em evidência. Acha mais difícil identificar e punir a violência contra mulheres?
Regina Soares Jurkewicz – É muito mais fácil, no senso comum, aceitar a criança como vítima. Mas quando se fala que uma mulher sofreu um abuso ou foi estuprada, a primeira idéia é de que ela seduziu o agressor. Quando as mulheres denunciam, acredita-se menos nelas, pior ainda se forem adultas. E muito pior se o agressor for um padre, um homem envolto em aura de santidade. De vítima ela vira culpada.
ÉPOCA – No início do mês, a diocese de Covington, nos Estados Unidos, criou um fundo de US$ 120 milhões para compensar cem vítimas. Isso já aconteceu antes com outras dioceses americanas. Há mais padres abusadores lá do que aqui ou trata-se de uma diferença de política da Igreja?
Regina – Tenho certeza de que aqui há tantos abusadores quanto lá. Mas lá a consciência de cidadania é muito mais avançada, as vítimas criam redes de sobreviventes. Desde que o escândalo da batina estourou nos EUA, em 2002, aumentaram as denúncias em outros países, inclusive no Brasil. Mas lá as assimetrias são muito menores, existe muito menos diferença social, econômica e cultural entre os padres e as vítimas. Aqui as mulheres violentadas são empregadas domésticas, secretárias da paróquia ou apenas meninas pobres da comunidade. Expressam-se com dificuldade, não têm nenhuma consciência de direitos, estão desprotegidas. Tanto que nunca houve aqui um caso de pedido de indenização de uma mulher violentada ou que tenha sofrido abuso por um padre. Em nenhum dos processos que pesquisamos houve condenação, embora alguns ainda estejam em andamento. No Brasil, a maioria dos casos permanece encoberta, protegida pelo silêncio imposto pela cúpula católica. Nos dois anos e meio em que pesquisamos, em cada lugar aonde íamos pessoas ligadas às pastorais, freiras etc. sempre nos contavam algum caso que nunca se tornara público. Mas ninguém queria fazer a denúncia.
ÉPOCA – A senhora diz que a Igreja brasileira usa estratégias para encobrir crimes e criminosos, colocando-se acima do Estado. Como é isso?
Regina – O padre que abusa tem uma proteção institucional que os outros homens não têm. Homens não-padres estão mais sujeitos às leis civis. O padre também está, porque antes de ser padre é um cidadão. Mas o que acontece na prática é que a Igreja brasileira fez a escolha do silêncio. E, assim, acoberta fortemente o sacerdote. O bispo ou superior se preocupam em conversar com ele, mas é uma conversa no sentido de compreendê-lo, de saber se está disposto a pedir perdão a Deus e se reconciliar. Dificilmente ele será afastado do sacerdócio. Todos os esforços da cúpula são para que o caso não saia das paredes da instituição. Uma das vítimas com quem conversei contou o crime ao superior do sacerdote que a violentou. O superior lhe disse que era sabido que o padre em questão tinha problemas com as mulheres, mas que na Igreja há uma orientação para que os problemas sejam resolvidos internamente. Em suas palavras, ”irmão tem de acolher irmão”. Então era preciso evitar a denúncia e o escândalo. A pesquisa mostrou que esse é o procedimento-padrão. O escândalo é o grande medo. A Igreja quer ter o privilégio de não se submeter às leis do Estado. E consegue.
ÉPOCA – Nessa lógica, os superiores seriam cúmplices de um crime e poderiam ser processados…
Regina – Num dos casos o bispo chegou a ser processado por uma tentativa de subornar as vítimas. Teria oferecido dinheiro para que retirassem a queixa. Mas foi assessorado por um bom advogado e o caso foi encerrado. Esse bispo foi promovido e hoje tem um cargo importante na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Legalmente, não há problema, já que ele foi absolvido pela Justiça. Encontramos outros casos de promoção. Faz parte da estratégia de proteção seguida pela Igreja quando o caso se torna público. A cúpula homenageia o agressor, ele assume um cargo que o qualifica mais e, portanto, protege-o mais. Em outro caso, o agressor foi promovido a reitor de um seminário. A promoção é um reforço, um prestígio social que torna o abusador ainda mais imune à acusação.
ÉPOCA – A senhora pesquisou 21 casos. O que as vítimas têm em comum?
Regina – Quase todas são mulheres e adolescentes pobres. Sempre próximas aos agressores, ou porque eram membros da comunidade, ou porque trabalhavam na paróquia. Nesse sentido, é uma escolha pela facilidade. As mulheres pobres são mais vulneráveis porque precisam da cesta básica, recebem o apoio da paróquia para arrumar a casa, se a cidade é pequena a igreja é o espaço de encontro. Que sacerdote vai mexer com uma mulher ou uma adolescente que tenham um padrão social melhor e quem as proteja? Num dos casos, por exemplo, as vítimas contaram que o padre se sentia mais protegido porque elas ainda não tinham menstruado e, portanto, não poderiam engravidar. Quem denunciou foi a mãe de uma delas, aí apareceram outras. Ao final, havia 21 vítimas, mas com a pressão poucas sustentaram a acusação.
ÉPOCA – Neste caso específico, o que aconteceu?
Regina – As vítimas foram desqualificadas e destruídas, tiveram de se mudar da cidade porque ficaram marcadas e não conseguiam trabalho. Essa é outra estratégia da Igreja: desqualificar as vítimas e valorizar o agressor, lembrar dos bons serviços que ele sempre prestou àquela comunidade, de como sempre foi caridoso e, portanto, incapaz de ter cometido tal delito. As meninas saíam à rua e eram chamadas de prostitutas. Uma delas foi literalmente apedrejada. O padre foi preso por pouco tempo, mas o advogado alegou que tinha a saúde debilitada e conseguiu liberá-lo. Esse tratamento tão diferenciado, que desacredita a vítima e dificulta a apuração, é uma forma de fazer com que o caso não siga adiante. Embora não seja essa a intenção da Igreja, é uma forma também de colaborar para que outras mulheres sejam violentadas.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A igreja como agente do reino de Deus

Objetivos
- Refletir biblicamente e contextualmente sobre o que é a igreja de Cristo e como ela deve ser agente do Reino de Deus no mundo.

- Analisar criticamente nossos modelos de eclesiologia sobre como o povo de Deus se relaciona com o Senhor, como se organiza organicamente e como se relaciona com o mundo em missão.

- Pensar sobre como a igreja e o Reino devem ser vividos neste dias entre a primeira e a segunda vinda de Jesus.

1. Aspectos bíblicos e históricos

1.1 Jesus e a mensagem do reino
Nos evangelhos sinóticos, a mensagem pregada por Jesus é identificada como “o evangelho [boas novas] do reino” (Mt 4.23; 9.35; 24.14; Mc 1.14-15; Lc 4.43; 8.1; 16.16). Esse reino é o “reino de Deus” ou sua expressão sinônima “reino dos céus”, que ocorre somente em Mateus (3.2; 4.17, etc.; ver, porém, 12.28; 19.24; 21.31,43). O Evangelho de João usa poucas vezes a expressão “reino de Deus” (só em 3.3,5), possivelmente substituindo-a por conceitos equivalentes, como “vida eterna”. Ao todo, a expressão ocorre mais de 80 vezes nos evangelhos.

1.2 O reino de Deus no Antigo Testamento
O conceito do reinado ou senhorio de Deus era familiar aos ouvintes de Jesus, estando presente no Antigo Testamento. Desde o início, Deus deixou claro que ele era o verdadeiro rei de Israel. Quando o povo pediu um rei humano, o Senhor manifestou o seu desagrado (1 Sm 8.5-7). A idéia de Deus como rei está presente em todas as Escrituras Hebraicas (Dt 33.5; Jz 8.23; Is 43.15; 52.7), em especial nos Salmos (10.16; 22.28; 24.7-10; 47.2,7-8; 93.1; 97.1; 99.1,4; 103.19; 145.11-13). Algumas passagens identificam o reino de Deus com o reino de Davi (1 Cr 17.14; 28.5; 29.11; Jr 23.5; 33.17). Esse reino será eterno e só alcançará a sua consumação em um tempo futuro, assumindo feições escatológicas (Dn 2.44).

1.3 Diferentes entendimentos
Nos dias de Jesus, os judeus piedosos esperam a vinda do reino (Mc 15.43; Lc 23.51). Após séculos de dominação estrangeira, havia a tendência de se entender o reino politicamente – a restauração do antigo reino de Israel. A vinda do reino seria a repentina intervenção de Deus na vida do seu povo, libertando-o de seus opressores e restaurando a sua liberdade, independência e prosperidade como nos dias de Davi. Até mesmo os discípulos de Jesus tinham essa expectativa (Mt 20.21; Mc 11.10; Lc 19.11; At 1.6).

1.4 O aspecto cronológico
Nos evangelhos, o reino num certo sentido já estava presente (Mt 12.28; Lc 17.21); todavia, a ênfase principal está na iminência da sua chegada (Mt 3.2; 4.17; 10.7; Mc 1.15; 9.1; Lc 9.27; 10.9,11; 19.11; 21.31). Muitas passagens falam do reino como uma realidade futura, escatológica (Mt 8.11s; 13.43; 26.29; Mc 14.25; Lc 13.28s; 14.15; 22.16,18; 23.42; 1 Co 15.50; 1 Ts 2.12; 2 Tm 4.1,18; Tg 2.5; 2 Pe 1.11; Ap 11.15; 12.10).

1.5 A proclamação do reino
Além de anunciar o reino (Lc 9.11; At 1.3) e revelar os seus mistérios (Mt 13.11; Mc 4.11), Jesus incumbiu os seus discípulos de fazerem o mesmo (Mt 10.7; 24.14; Lc 9.2,11,60); a igreja primitiva fez isso (At 8.12; 19.8; 20.25; 28.23,31; Cl 4.11).

1.6 As características do reino

O Novo Testamento aponta as características do reino. É uma dádiva do Pai: Lc 12.32; equivale à vida eterna: Mc 9.47; é uma realidade interior: Lc 17.20s; é algo novo: Mt 11.11s; Lc 7.28; 16.16; agora inclui trigo e joio: Mt 13.24,47; cresce silenciosamente: Mt 13.31,33,38,41; Mc 4.26,30; representa graça e juízo: Mt 18.23; 20.1; os filhos do reino podem perdê-lo: Mt 21.31,43; 22.2; Lc 13.28s; alguns não o herdarão: 1 Co 6.9s; 15.50; Gl 5.21; Ef 5.5; não consiste em palavra, mas em poder: 1 Co 4.20. Cristo deu a Pedro e aos demais apóstolos as chaves do reino: Mt 16.19; 18.18. Há também o reino de Cristo: Mt 16.28; Lc 22.29s; Jo 18.36; 1 Co 15.24; Cl 1.13; 2 Tm 4.1.

1.7 Os sinais da presença do reino
Entre os sinais da presença do reino estão: humildade: Mt 5.3; justiça: Mt 5.10; 6.33; justiça, paz e alegria: Rm 14.17; amor a Deus e ao próximo: Mc 12.34; obediência: Mt 5.19s; fazer a vontade de Deus: Mt 6.10; 7.21; 21.31,43; dependência de Deus e confiança nele (ricos e pobres): Mt 19.23s; Mc 10.23-25; Lc 6.20; solidariedade com os sofredores: Mt 25.34; fidelidade: Lc 19.11ss; vigilância: Mt 25.1; requer novo nascimento: Jo 3.3,5.

1.8 Nossa atitude
Também é enfatizada a nossa atitude para com o reino: buscá-lo acima de tudo: Mt 6.33; recebê-lo como uma criança: Mt 18.1-4; 19.14; renunciar a outras coisas por ele: Mt 19.12,29; Mc 9.47; 10.29; Lc 18.29; sofrer por ele: At 14.22; 2 Ts 1.5; apossar-nos dele como de um tesouro: Mt 13.44-46; não olhar para trás: Lc 9.62.

2. Interpretações
O “reino de Deus” é um dos conceitos mais frutíferos e ao mesmo tempo controvertidos da teologia cristã. Nos dias de Jesus, entre os judeus, a expressão era usada em pelo menos três sentidos diferentes: (a) o reino eterno e invisível de Deus, que é independente da resposta ou do conhecimento humano (Sl 145.13); (b) a realização do reino de Deus em grupos ou indivíduos que aceitam a sua soberania (por exemplo, se diz que um prosélito “tomou sobre si o jugo do reino de Deus”); (c) o reino escatológico no fim da história, quando todos reconhecerão a soberania de Deus.

Os evangelhos deixam claro que há uma relação indissolúvel entre Jesus e o reino. Ele não somente anuncia o reino, mas a sua pessoa e obra são elementos essenciais do reino. Em Jesus, o reino de Deus se tornou uma realidade muito mais plena no mundo do que já havia sido até então. Jesus exemplificou de maneira suprema a submissão à vontade de Deus que é a característica mais importante do reino de Deus. Assim sendo, em sua pregação os apóstolos associavam o reino de Deus com a mensagem acerca de Jesus (At 8.12; 28.23,31; Cl 1.13).

3. O reino de Deus na história
Assim como nos dias de Jesus, ao longo da história da igreja o “reino de Deus” tem sido objeto de diferentes entendimentos. Orígenes afirmou que o próprio Jesus era o reino; alguns entendem que o reino se refere a um relacionamento apropriado com Deus; outros o têm identificado com a igreja visível ou com uma ordem social transformada; ainda outros têm insistido que Jesus se referia a uma intervenção apocalíptica da parte de Deus.

Esse conceito tem sido utilizado tanto para sustentar o status quo quanto para inspirar ideais revolucionários e contestadores. Desde a época de Agostinho tem havido a tendência de institucionalizar o conceito do reino identificando-o com a igreja. Embora o reino já esteja presente no mundo, ele ficaria circunscrito à igreja. Outra posição vê o reino como futuro, ainda que iminente. É o caso de movimentos apocalípticos como o montanismo do 2º século e muitos outros através dos séculos.

Nos Estados Unidos do final do século 19 e início do século 20 (1880-1930), o chamado “evangelho social” deu grande ênfase ao conceito do “reino de Deus”. Seu principal expoente foi Walter Rauschenbusch (1861-1918), um pastor batista de origem alemã. Procurando responder aos problemas sociais das grandes cidades norte-americanas num contexto de crescente industrialização, urbanização e imigração, o movimento apregoou a “implantação do reino de Deus na terra” e a necessidade de uma “sociedade redimida”. O reino de Deus passou a ser visto exclusivamente em termos de transformação da sociedade e justiça social. Um livro foi particularmente influente no sentido de popularizar as idéias do evangelho social: Em Seus Passos que Faria Jesus (1897), de Charles Sheldon.

Em seu livro O Reino de Deus na América (1937), H. Richard Niebuhr demonstrou que o tema do reino de Deus dominou o pensamento teológico americano desde o início. Esse conceito teve diferentes sentidos ao longo do tempo, desde a soberania de Deus na época dos puritanos e de Jonathan Edwards, passando pelo reino de Cristo na época dos avivamentos do século 19, até o reino terrenal de Deus no liberalismo do início do século 20. Para os liberais, o reino de Deus “não era um reino celestial de outra vida muito distante e futura, e sim o reino de amor e justiça nesta terra, tão completamente e tão rapidamente quanto possível”. A I Guerra Mundial (1914-1918), a quebra da bolsa de Nova York (1929) e outros eventos negativos destruíram as esperanças otimistas dos liberais.

4. Significado para hoje
No seu sentido amplo, o reino é um símbolo da vontade de Deus que pode ser realizada em situações particulares através da obediência humilde, mas que nunca é plenamente concretizada dentro das fronteiras da história por causa das limitações humanas. O reino fala de uma tensão: como Cristo já veio ao mundo, morreu e ressuscitou, há uma dimensão presente do reino. Como Cristo ainda não voltou para pôr fim à realidade presente e instaurar os novos céus e terra, o reino é também futuro.

Assim sendo, o reino está presente em parte, mas a sua manifestação final permanece uma esperança para o futuro. O cristão sabe que o reino veio num novo sentido em Cristo, que ele pode vir na sua própria vida, mas que ainda não veio plenamente. Desse modo, ele vive no mundo presente como um cidadão obediente desse reino, ao mesmo tempo em que ora com esperança confiante: “Venha o teu reino”.

Porque o reino é de Deus, ele não virá como resultado do esforço humano. Não é sustentável a visão otimista de que o desenrolar da história está trazendo os estágios finais do reino. Este não pode ser entendido como um conceito evolutivo ou primariamente como um conceito moral e ético. Por outro lado, os cristãos sabem que devem orar e trabalhar para que o reino se faça cada vez mais presente; eles sabem que, pelo menos em algumas áreas ou situações, a realidade do reino pode ser tornar mais palpável neste mundo caído.

5. O reino e a igreja

5.1 O que é a igreja

A igreja é o conjunto daqueles que crêem em Cristo e que se associam uns aos outros por causa da sua fé comum. À luz das Escrituras, a igreja é uma realidade essencialmente corporativa, comunitária. Ela é descrita como o corpo de Cristo, a família da fé, o povo de Deus, um rebanho, um edifício e outras figuras que acentuam o seu caráter de comunidade e solidariedade.

Os propósitos da igreja são basicamente cinco: adoração, comunhão (koinonía), edificação, proclamação (kégygma), serviço (diakonía). Esses propósitos apontam para três dimensões essenciais da vida da igreja: seu relacionamento com Deus, seus relacionamentos internos e seu relacionamento com o mundo. A missão da igreja se relaciona principalmente com os dois últimos aspectos: proclamação e serviço.

5.2 Igreja e reino
O Novo Testamento não identifica a igreja com o reino de Deus. Obviamente há uma relação entre ambos, mas não uma coincidência plena. A igreja tem limites claros, assume formas institucionais, tem líderes humanos. Nada disso se aplica ao reino de Deus, que é mais intangível, impalpável. Este é uma realidade que transcende os limites da igreja e que pode não estar presente em todos os aspectos da vida da igreja. É como dois círculos que se sobrepõem em parte e que se afastam em parte. Historicamente, a igreja por vezes tem se harmonizado com o reino, outras vezes tem estado em contradição com ele.

Todavia, dada a importância da igreja no propósito de Deus, ela é chamada para expressar a realidade do reino, para ser o principal agente do reino de Deus no mundo. Para que isso aconteça, a igreja e seus membros precisam manifestar os sinais do reino, ser instrumentos do reino na vida das pessoas, da sociedade, do mundo. Sempre que a igreja busca em primeiro lugar a glória de Deus, fazer a vontade de Deus, viver uma vida se humildade, amor, abnegação, altruísmo, solidariedade, etc., ela se torna agente e instrumento do reino.

O reino pode se manifestar, e com freqüência se manifesta, fora dos limites institucionais da igreja. Quando isso ocorre, a igreja deve se regozijar com essas manifestações, apoiá-las e incentivá-las. Todavia, existem aspectos do reino que só a igreja pode evidenciar, principalmente a proclamação do evangelho, das boas novas do amor de Deus revelado em Cristo.

5.3 A igreja sob o senhorio de Deus
A oração do Senhor é um bom ponto de partida para se refletir sobre o reino de Deus. Nessa oração, Jesus coloca Deus em primeiro lugar, como o centro dos nossos interesses e afeições, e relaciona isso com o reino. “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.9-10). O reino de Deus torna-se presente quando os crentes se unem para invocar a Deus como Pai, quando reconhecem a sua soberania sobre suas vidas, quando o reverenciam e se submetem a ele, quando procuram fazer a sua vontade na terra como ela é feita no céu.

Para que a igreja seja uma verdadeira agente do reino, primeiramente ela precisa refletir sobre a sua relação com Deus, fazer disso a sua prioridade máxima, identificar-se com os seus propósitos, associar-se a ele em sua obra de restauração da criação. A igreja precisa ser teocêntrica, a começar do seu culto. Quando o culto e a vida da igreja são voltados em primeiro lugar para a satisfação de necessidades humanas, e não para a glória e o louvor de Deus, a igreja deixa de ser teocêntrica, e em assim fazendo, não pode ser agente do reino de Deus no mundo.

5.4 A igreja – lugar de reconciliação
Ao mesmo tempo em que cultiva a sua vida com Deus, a igreja deve ser um lugar de relacionamentos interpessoais transformados. Uma igreja teocêntrica será também um lugar de companheirismo, solidariedade e edificação mútua. Essa é uma das grandes ênfases do Novo Testamento. Assim como Deus nos amou e nos perdoou em Cristo, também devemos amar, aceitar e ministrar uns aos outros. Daí o grande número de exortações em que aparecem as palavras “mutuamente” ou “uns aos outros”.

Como corpo de Cristo, a igreja deve reconhecer, respeitar e até celebrar certas diferenças; ao mesmo tempo, deve transcender essas diferenças, cultivando uma vida de união e fraternidade (Rm 10.12; 1 Co 12.12-27; Gl 3.28). Isso fica especialmente claro no que diz respeito aos dons (capacitações para testemunho e serviço), que são sempre discutidos em conexão com o corpo de Cristo (Rm 12.3-8; 1 Co 12.1-12; Ef 4.11-12). Os dons espirituais só têm razão de ser quando são exercidos, não para proveito e exaltação pessoal, mas para a edificação dos irmãos, para a realização do ministério da igreja. Um dos argumentos que Paulo usa em favor da tolerância na igreja é o fato de que não se deve fazer perecer “o irmão por quem Cristo morreu” (ver Rm 14.15; 1 Co 8.11).

5.5 Igreja, reino e sociedade
Em ordem de prioridade, a relação da igreja com o mundo está em terceiro lugar, o que não significa que seja algo opcional, secundário. Assim como aconteceu com Israel, a igreja foi formada para realizar uma missão. Se ela ignorar essa missão, nega a sua razão de ser e está sujeita ao juízo de Deus, como aconteceu com Israel.

A missão primordial da igreja no que diz respeito ao mundo é a proclamação do “evangelho do reino”, assim como fizeram Jesus e os seus discípulos. Corretamente entendido, esse evangelho inclui muitas coisas importantes. Em primeiro lugar, esse evangelho é um convite a indivíduos, famílias e comunidades para se reconciliarem com Deus mediante o arrependimento e a fé em Cristo. Todavia, o evangelho são as boas novas de Deus para todos os aspectos da vida, pessoal e coletiva. Assim sendo, a legítima proclamação do evangelho não vai se limitar ao aspecto religioso e à dimensão individual (experiência de conversão pessoal), mas vai mostrar o senhorio de Cristo sobre todos os aspectos da existência.

Além disso, essa proclamação não ficará restrita ao aspecto verbal, mas incluirá ações concretas que expressem a amor de Deus pelas pessoas (Tg 2.14-17; 1 Jo 3.16-18). Aí podem ser incluídas muitas iniciativas, que vão desde o socorro a necessidades imediatas até a luta por mudanças estruturais que irão produzir maior justiça na sociedade. Exemplos: auxílio financeiro a pessoas e instituições, trabalho voluntário, mobilização para a criação de leis justas, luta pela ética na vida pública, participação em projetos comuns com outras igrejas e instituições, etc.
5.6 Quando a igreja é um obstáculoA igreja se torna um entrave para os interesses do reino de Deus em várias situações: quando está mais preocupada com a sua própria sobrevivência, prestígio e poder; quando não consegue abrir mão de suas peculiaridades a fim de poder dialogar com outras igrejas e grupos; quando não procura “seguir a verdade em amor” (Ef 4.15); quando se retrai do mundo com medo de perder a sua identidade ou quando se identifica com o mundo com medo do escândalo da cruz.Conclusão – vivendo entre dois mundosO cristão experimenta uma série de paradoxos: o reino já veio, mas ainda não veio em sua plenitude; vivendo no mundo, ele experimenta as realidades do reino de Deus e do império das trevas; na própria igreja, existe trigo e joio, pecado e graça. Redimido por Cristo e conduzido pelo seu Espírito, ele ora: “Venha o teu reino”, e se dispõe: “Eis-me aqui, envia-me a mim”.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Síntese Bíblica do Apocalipse...

Síntese Bíblica do Apocalipse


1. Título

O livro de Apocalipse é o último livro do Novo Testamento, tanto em sua localização quanto ao período da formação do estenógrafo. Este é, provavelmente, o único livro do Novo Testamento cujo nome é dado em decorrência da primeira palavra encontrada nele, tais quais os títulos dos livros no cânon hebraico. Além disto, Apocalipse possui outras características particulares:
a) é o único livro profético
do Novo Testamento;
b) apenas este livro traz uma bênção especial para aqueles que o estuda e uma maldição para aquele que “tirar quaisquer palavras do livro desta profecia”;
c) inclui três gêneros literários específicos: o profético (1.1.1), o epistolar (1.4-8), e apocalíptico.

2- Contexto Histórico

As Perseguições Imperiais

3. Tema

O Futuro Glorioso dos Santos e a Perdição dos Ímpios

4. Autor

João, apóstolo.

5. Data e Local em que foi Escrito

81-95 d.C., na ilha de Patmos, durante o governo do imperador Domiciano.

6. Métodos de Interpretação do Livro

Quatro métodos principais são usados na interpretação do livro de Apocalipse. Dependendo do método adotado, os intérpretes podem chegar a conclusões totalmente díspares. Os principais métodos são: preterista, idealistas, historicistas e futuristas.

7. Esboço

Apocalipse apresenta a própria estrutura do livro no versículo dezenove do capítulo um:“Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer”. Seguindo o arquétipo apresentado pelo versículo em apreço podemos dividir o livro em três linhas principais:

I- As Coisas que tens Visto (1.1-20)
II- As Coisas que São (2.1-3.22)
III- As Coisas que Depois Destas hão de Acontecer (4.1-22.21)

8. Conteúdo

As três divisões principais do livro de Apocalipse incluem um capítulo introdutório (1.1-19); quatro séries de sete: sete cartas (2.1-3.22), sete selos (5.1-8.1), sete trombetas (8.2-11.19) e sete flagelos (15.1-16.21).
Estas séries de sete abrem parênteses para os interlúdios que são encontrados entre o sexto e sétimo selo: as duas multidões (7.1-17); entre a sexta e a sétima trombeta: o anjo e o pequeno livro, medição do templo e as duas testemunhas (11.1-13). Entre a sétima trombeta e os sete flagelos há o terceiro interlúdio: o dragão, a mulher e o seu descendente (12.1-17), as duas bestas (13.1-18) e as visões de consolo (14.1-20).
Uma estrutura literária também pode ser observável: trata de quatro visões delineada
s no livro 1.9-11; 4.1; 17.1 e 21.9. Entretanto, existem pequenas unidades introduzidas pela frase, “e vi”, “e olhei”, por exemplo, 5.1,11; 6.1,9.

8.1. As Coisas que tens Visto (1.1-20)

A primeira seção de Apocalipse está dividida em três temas principais: Título e descrição do livro (1.1-3), Remetente e Destinatário (1.4-8), Deportação para Patmos e a visão de Jesus Glorificado (1.9-20).

8.2. As Coisas que São (2.1-3.22)

Esta segunda seção esta subdividida em sete missivas endereçadas às igrejas da Ásia:
Éfeso (2.1-7) Amada; Desejada
Esmirna (2.8-11); Mirrada; Amargura
Pérgamo (2.12-17); Fortificada; Alta
Tiatira (2.18-29); Sacrifício Perpétuo
Sardes (3.1-6); Renovados
Filadélfia (3.7-13); Amor Fraterno
Laodicéia (3.14-22). O Povo Reina

8.3. As Coisas que Depois Destas hão de Acontecer (4.1-22.21)

1) Capítulo 4
Esta nova seção do livro de Apocalipse (4.1-11) é um parêntese para as revelações dos juízos divinos. Este prelúdio trata da visão do Trono e da Glória Divina que cerca a habitação de Deus
2) Capítulo 5 e 6
O capítulo cinco é um interlúdio relacionado aos juízos do capítulo seis: os selos. O juízo sobre os ímpios só será executado se houver alguém digno de “abrir o livro selado por dentro e por fora, bem selado com sete selos”. O capítulo seis descreve a abertura dos primeiros seis selos. Vejamos a estrutura:
1º selo (6.2): Cavalo Branco - o Anticristo.
2º selo (6.3,4):
Cavalo Vermelho - Guerra
3º selo (6.5-6): Cavalo Preto - Fome
4º selo (6.7-8): Cavalo Amarelo - Morte
5º selo (6.9-11): Clamor dos Mártires - Justiça
6º selo (6.12-17): Terremoto - Abalo cósmico
7º selo (8.1-11.19): Sete Trombetas - Juízos
3) Capítulo 7
O capítulo sete é um interlúdio entre o sexto e o sétimo selo. Este parêntese está dividido em duas seções principais. O primeiro é uma visão sobre o que irá acontecer na terra. O outro daquilo que irá ocorrer no céu.
4) Capítulo 8 e 9
Estes capítulos concentram-se na abertura do último selo que desencadeia sete trombetas. Vejamos a estrutura das sete trombetas:
1º trombeta (8.7): 1/3 da vegetação é destruída
2º trombeta (8.8): 1/3 da vida oceânica e dos barcos é destruída
3º trombeta (8.10): 1/3 da água doce é envenenado
4º trombeta (8.12): 1/3 do sol, da lua e das estrelas se escurecem
5º trombeta (9.1): Abre-se o abismo, sofrimento sobre os homens
6º trombeta (9.13): Solto os quatros anjos presos junto ao Eufrates
7º trombeta (11.15): Declaração do domínio de Cristo
5) Capítulo 10 e 11
Os capítulos 10 e 11 são parênteses entre a sexta e a sétima trombeta e devem ser considerados como uma unidade parentética. O capítulo 10 trata da mensagem do anjo de Deus e do livro comido por João, enquanto o 11, da medição do templo de Deus (11.1-2) e do ministério das duas testemunhas (11.3-14).
6) Capítulo 12
Este capítulo trata especificamente do Diabo e Israel. A mulher, provavelmente, representa a nação de Israel. O capítulo doze pode ser apresentado como se segue:
a) O ódio de Satanás contra Israel no passado (12.1-5);
b) O ódio de Satanás contra Israel no futuro (12.6-17).
7) Capítulo 13
Este capítulo está dividido em duas seções principais: a besta que subiu do mar (13.1-10) e a besta que subiu da terra (13.11-18). A besta que sobe do mar retrata o poder político e mundial do Anticristo, enquanto a que sobe da terra, o falso profeta (16.13; 19.20), relaciona-se ao poder religioso do Anticristo. Esta é a trindade satânica (cf.16.13).
8) Capítulo 14 a 16
Os capítulos 14, 15 e 16 formam uma seção que inclui o juízo de Deus através das sete taças. Entretanto, o 14, descreve os eventos que precedem estes juízos.
O capítulo 14 trata da doxologia dos santos. As características dos remidos que compõem este coral celeste encontram-se no versículo 4 e 5.
O capítulo 15, inicia-se com uma expressão modelo de João “e vi”. É uma elaborada introdução aos juízos das sete taças – sete anjos que tinham as sete últimas pragas. O propósito destes juízos encontra-se na parte final do versículo um: “porque nelas é consumada a ira de Deus”. Três visões seguem esta seção introdutória:
a) Visão dos “sete anjos com as sete últimas pragas” (v.1)
b) Visão do “mar de vidro misturado com fogo” (vs.2-4)
c) Visão do templo (vs.5-8).
O capítulo 16 trata dos sete anjos cada um deles possuindo uma taça de juízo para ser derramado sobre a terra (v.1). Vejamos :
1º taça (16.2): Chagas malignas sobre os seguidores do Anticristo
2º taça (16.3): Total envenenamento da água salgada
3º taça (16.4-7): Total envenenamento da água doce
4º taça (16.8,9): Calor abrasador do sol
5º taça (16.10,11): Escuridão na capital do Anticristo
6º taça (16.12-16): Seca-se o Eufrates
7º taça (16.17-21): Maior terremoto e tormenta de granizo do mundo
9) Capítulo 17, 18 e 19
O capítulo 17 e 18 formam uma unidade. Enquanto o capítulo dezessete descreve a destruição dos sistemas religiosos do mundo, identificado como Babilônia, a meretriz (vs.1-6), o dezoito trata dos sistemas políticos e econômicos do mundo. As bases históricas para estes capítulos encontram-se no antigo paganismo e na política do império romano.

10) Capítulo 20
Este capítulo descreve a instituição do reino milenar do Cordeiro. Podemos dividir o capítulo nas seguintes seções:
a) Prisão de Satanás (1.1-3);
b) A Grande Ressurreição ( 20.6);
c) O Grande Reinado (20.4,6);
d) A Grande Rebelião (20.7-10);
e) O Grande Trono (20.7-10).
11) Capítulo 21 e 22
O capítulo 21 tem como tema “a apresentação da esposa do Cordeiro” (21.9). Podemos encontrar nestes dois capítulos:
a) Visão do Novo Céu e da Nova Terra (21.1).
b) Visão da Cidade Santa (21.2-22.5).
O livro encerra com algumas admoestações específicas e com a expectativa da Vinda do Cordeiro.

As Identidades de Jezabel...

As Identidades de Jezabel de Apocalipse 2.20

Este artigo, publicado resumido e originalmente no Mensageiro da Paz (Número 1.5010, agosto de 2010), mas aqui ampliado, tem como objetivo discutir as várias identidades atribuídas a Jezabel de Apocalipse 2.20.

Se trata da esposa do pastor local. Essa posição baseia-se em supostas evidências textuais críticas que aceitam como válidas o testemunho dos manuscritos A 046 1006 1854, e a tradição escritural atestada por Cipriano que apresenta o pronome genitivo sou(tua) antes do substantivo próprio Jezabel.

De acordo com esses manuscritos, o texto em vez de dizer ten gynaika Iedzabel (a mulher Jezabel), diria ten sou gynaika Iedzabel (a tua mulher Jezabel). O pronome sou, nesse caso, fora usado para referir-se ao sujeito do versículo 12, o angelo tes ekklesias, isto é, o “anjo da congregação” de Pérgamo, como também ao "anjo da igreja em Tiatira", nos versículos 14, 15 e 16.

Provavelmente, a inserção do pronome nesses manuscritos deriva-se de um erro de ditografia ou então de uma percepção equivocada do escriba ao inserir propositalmente o pronome, em função de o mesmo aparecer repetidamente nos versículo 19 e 20.

Se estivermos corretos nessa assertiva, os copistas dos manuscritos citados entenderam que houve, por parte dos escribas anteriores, um erro de haplografia. Este erro, muito bem documentado pela exegese noutras porções bíblicas, ocorre quando se escreve uma palavra, sílaba ou letra apenas uma vez, quando, na verdade, deveria ser escrita mais de uma.

Isto posto, é provável que os escribas tentaram corrigir a cópia manuscrita disponível, entretanto, era necessário, talvez, uma outra cópia que atestasse o pronome sou, para que não se apoiasse apenas em sua interpretação ou percepção.

Todavia, caso esta posição esteja correta, embora as evidências manuscritas, textuais e a própria tradição atestem o contrário, significa que a Jezabel do referido texto é a esposa do pastor da igreja de Pérgamo.

Assim, essa teoria admite que o pastor da comunidade local aceitava os erros, heresias e impudicícias dessa mulher pelo fato de ela ser sua esposa, o que é discutível. Isto porque são feitos importantes elogios às virtudes teologais da igreja de Tiatira. A obra, a fé, o amor, a paciência e o serviço dessa comunidade cristã são mais excelentes do que o eram no passado (v.19).

Observe, a igreja de Éfeso é criticada por “deixar o primeiro amor” (v.4), mas os exercícios teologais da igreja de Tiatira só aumentaram. Enquanto muitos, diz Matthew Henry, “tinham deixado o seu primeiro amor, e perdido o seu primeiro zelo, estes estavam se tornando mais sábios e melhores” (2008, p.968). A mesma comparação pode ser feita a respeito da igreja judaico-cristã de Hebreus que, em vez de crescer, estagnou-se (Hb 5.12,13). Dificilmente, caso a Jezabel do referido texto fosse esposa do “anjo da igreja”, teríamos um crescimento espiritual tão constante e elogiável.

Todavia, aqueles que identificam Jezabel como sendo a esposa do líder local baseiam-se não apenas no pronome, mas também na possibilidade de o nominativo acusativogynaika ser traduzido como esposa em vez de mulher, pois o vocábulo aparece em várias perícopes do Novo Testamento com o sentido de “mulher casada”, “esposa”. Porém, essa é uma tradução possível, mas não necessária.

Assim, traduzem o texto ten sou gynaika Iedzabel como “a tua esposa Jezabel”. Segundo essa escola, ten sou gynaika Iedzabel era o texto original que foi corrompido e amainado por certos escribas inconformados com o tom ácido da perícope. Contudo, muitos textos do Antigo e Novo Testamentos são tão ácidos quanto esse, e, nem por isso, pesa sobre eles alguma acusação de corrupção textual.

Particularmente não concordo com essa tradução e com a interpretação da perícope atestada por essa escola. Devemos aceitar o texto em sua forma corrente e verbal e, segundo, o cânon da exegese, a leitura mais breve ou o texto mais curto deve ser preferido ao mais longo. É possível que o escriba acrescente alguma glosa, mas excluir alguma palavra do texto, ainda que possível, é mais difícil. Logo, não se trata de nenhum erro intencional do escriba, muito pelo contrário. A inserção do pronome (sou) e a tradução de gynaika Iedzabel, como "tua esposa Jezabel", extrapola toda naturalidade do texto.

Uma mulher profetisa da comunidade de TiatiraOutra hipótese difundida é que se trata de uma profetisa da comunidade de Tiatira. Trata-se de uma mulher cristã carismática, de nome Jezabel. Segundo essa corrente, essa falsa profetisa induzia alguns crentes da comunidade de Tiatira à prostituição, à participação nas festividades pagãs, e à idolatria.

Deve-se, portanto, de acordo com essa hipótese, entender literalmente as palavras dos versículos 21 e 22. Essa mulher não apenas induzia seus seguidores a participarem das licenciosidades das festas pagãs, como ela própria, seduzia-os para o seu próprio leito (v.22).

Permita-me, o leitor, a uma rápida digressão para explicar uma ideia muito interessante nesse trecho. Uma característica muito especial do versículo 22 é a expressão “a porei numa cama” – uma sinédoque para referir-se à enfermidade, doença [a porei enferma numa cama]. Todavia tal expressão é uma finíssima figura de linguagem usada pelo rapsodo, que traz uma imagem conceitual digna de um grande estilista da língua grega.

O termo “leito”, “cama”, é um eufemismo para “relações sexuais” em diversas passagens bíblicas, cito, à guisa de exemplo, apenas Hebreus 13.4. Veja a correspondência entre “cama” e “prostituição” no versículo 22 com “matrimônio” e “leito sem mácula” em Hebreus 13.4. A prostituição macula, mancha, enfermiça a relação sexual fora do casamento. Isto posto, a frase “Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação” (v.22) é um jogo de conceitos semióticos que relacionam a impudicícia da prostituição ao leito-enfermiço, assim como em Hebreus ao leito-santo. O leito, o lugar do coito lascivo, no qual os adúlteros se consomem, tornar-se-á, na linguagem do literato, o lugar da condenação (leito-coito/leito-enfermiço). A mulher Jezabel seria condenada a ficar enfermiça no mesmo local de suas prostituições; enquanto a condenação de seus amantes seria a “grande tribulação”.

Bem, digressões à parte, admitir que se trata de uma mulher literal, cujo nome era Jezabel, é uma opinião melhor do que a anterior. Agora, aceitar que a mulher do pastor deitava-se com diversos homens é uma posição extremamente radical, uma vez que ele, o anjo da igreja, “tolerava” os pecados de Jezabel. Até mesmo, na hipótese presente, é difícil entender como o pastor tolerava uma prostituta, falando em termos culturais heleno-latinos, como profetisa e dava a ela uma posição privilegiada na comunidade cristã. Parece que essa é uma das mais contundentes fraquezas dessa corrente.

Trata-se de Jezabel do Antigo Testamento rediviva. Não precisamos nem comentar esse falso conceito.

Trata-se de referência simbólica aos falsos ensinos pagãos que adentravam na igrejaEssa corrente entende e aceita que a Jezabel do referido versículo é uma figura ou símbolo da religiosidade pagã e dos falsos ensinos das religiões de mistério que invadiram a igreja através dos falsos mestres. Lembremos que Israel, a Igreja, e a falsa igreja de Apocalipse são representadas nas Escrituras pela figura da mulher. Em nossa obra, Igreja: Identidade e Símbolo (2010 - CPAD), apresento o símbolo joanino referente à mulher samaritana (Jo 4) e à senhora eleita (2Jo 1) como respectivas metáforas de religiosidade pagã e cristã.

Portanto, há nas Sagradas Letras elementos simbólicos suficientes para se atestar tal relação, ainda mais nos escritos joanimos. Assim, o nome Jezabel seria um pseudônimo para referir-se às práticas e misticismos pagãos das religiões de mistérios que, a semelhança do paganismo jezabelita introduzido no culto a Javé no Antigo Testamento, estavam adentrando na comunidade cristã de Tiatira. Assim, teríamos na igreja de Pérgamo, os balaamitas e nicolaítas e, na igreja de Tiatira, os jezabelitas.

Publicado originalmente em http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/

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