Visite nossa Página no JUSBRASIL

Site Jurídico

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CRISTIANISMO E ISLAMISMO NO MUNDO ATUAL...

Enfoque:

Panorama dos conflitos atuais e questão do fanatismo religioso


1. Panorama histórico

Após muitos séculos de confrontação com a cristandade, o domínio árabe na Europa ocidental (Península Ibérica) chegou ao fim em 1492.

O fim do avanço otomano terminou em 1683, com a derrota diante dos poloneses no segundo cerco de Viena. O império turco ainda se envolveria em várias guerras com a Rússia (como a da Criméia, em 1854), mas começaria a perder progressivamente os seus territórios nos Bálcãs e no Oriente Médio. O califado otomano chegou ao fim em 1924, não sem antes ter promovido o terrível genocídio dos armênios (a partir de 1915).

Análise do prof. J. Dudley Woodberry (Fuller), que desde 1957 tem estudado, lecionado e ministrado no Líbano, Afeganistão, Paquistão e Arábia Saudita e visitou 35 outros países predominantemente muçulmanos:

No início da I Guerra Mundial, foi dito aos árabes que, se apoiassem os aliados contra os seus senhores turcos, que apoiavam a Alemanha, eles receberiam a independência. Um ano depois, o Acordo Sykes-Picot dividiu o Oriente Médio entre os ingleses e os franceses (+Espanha, Holanda e Rússia). Isso gerou uma profunda frustração e sentimento de deslealdade.

Logo em seguida veio a Declaração Balfour (02-11-1917), do ministro das relações exteriores da Inglaterra, que dizia que o governo britânico iria apoiar a criação de "um lar nacional para o povo judeu" na Palestina, contanto que isso não interferisse nos direitos civis e religiosos dos moradores locais.

O Acordo Sykes-Picot e a Declaração Balfour violaram entendimentos anteriores com os árabes. A partir de então, os muçulmanos começaram a demonstrar sentimentos anti-britânicos e anti-franceses (quando estes ocuparam a Síria e o Líbano).

O presidente americano Woodrow Wilson (1913-1921) não tinha aspirações coloniais e os EUA decidiram não participar da divisão dos territórios conquistados, feita após a guerra pela Liga das Nações. Escolas e hospitais cristãos em todo o Oriente Médio, Paquistão e Irã também produziram atitudes positivas para com os Estados Unidos.

No final da II Guerra Mundial, Harry Truman violou a promessa feita por Franklin Roosevelt a Abdul Aziz, o rei da Arábia Saudita, de não fazer nada na Palestina sem consultar os árabes. Os Estados Unidos deram pleno apoio ao Estado de Israel (1948), nas Nações Unidas e de outras maneiras. Foi então que surgiu o sentimento anti-americano entre os árabes. (Razões para o apoio a Israel: holocausto, judeus americanos, cristãos conservadores.)

Desde então, os muçulmanos têm tido uma atitude rancorosa para com os EUA. A Palestina é uma questão tão importante que obscurece todas as demais. (Livro Irmãos de Sangue, de Elias Chacour)

2. Fanatismo religioso

O fenômeno do fanatismo está presente em todas as religiões (bem como em ideologias não-religiosas, como o marxismo).

No caso dos muçulmanos, a militância fundamentalista está diretamente relacionada com um sentimento de trauma e de frustração na comunidade islâmica. Fatores:
- Senso de estarem ameaçados pelo Ocidente, especialmente pela secularização, pela dissolução dos valores;
- Sentimento de serem injustiçados pela política americana, principalmente no caso dos palestinos e do apoio incondicional dos EUA a Israel;
- Revolta com a presença de tropas norte-americanas na Arábia Saudita, o berço do islã.

Essas frustrações abrem velhas feridas, como a questão das Cruzadas, e alimentam uma corrente intolerante e agressiva dentro do islamismo que remonta ao próprio Maomé e ao Corão. De um modo geral, Maomé tratou bem os cristãos, mas os judeus não tiveram igual sorte. Quando os homens da tribo dos Qurayza se recusaram a ajudá-lo, ele os decapitou junto a uma vala que mandara abrir (Ibn Ishaq, biógrafo islâmico).

O islamismo nasceu em oposição consciente ao cristianismo e ao judaísmo. É uma religião militante e por muitos séculos usou, além da persuasão verbal, a força das armas para se expandir. Alguns líderes foram intolerantes com os cristãos, abrindo precedentes perigosos.

Em 717, o califa Umar II iniciou a primeira perseguição geral de não-muçulmanos. O califa Harun al-Rashid ordenou a destruição de todas as igrejas novas (807). O califa fatímida Hakim destruiu a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém (1009). Em 1244, os residentes cristãos de Jerusalém foram expulsos.

3. O conceito de jihad

Um conceito que pode causar problemas é o de jihad. Literalmente, o termo significa "luta", "esforço" ou "empenho". No seu contexto religioso, ela sempre envolve uma luta contra o mal, mas isso pode assumir várias formas. (Análise de Mateen A. Elass, "Four Jihads".)

(a) Jihad do coração: significa a luta contra as tendências más da natureza humana, a busca do aperfeiçoamento pessoal. (b) Jihad da boca: visa solapar a oposição ao islã de duas formas - argumentação verbal e maldições ou imprecações, ou seja, guerra verbal. Ex: Saddam Hussein na I Guerra do Golfo: "a mãe de todas as batalhas". (c) Jihad da pena: utiliza a palavra escrita em defesa do islã (por exemplo, as doutrinas centrais da fé cristã tem sido um alvo especial da apologética islâmica). (d) Jihad da mão: busca promover a causa de Alá através de ações louváveis (tratamento exemplar dos outros, devoção a Deus, etc.).

A última e mais problemática forma de jihad é a da espada. Esse aspecto domina a história e a jurisprudência islâmica. Quando essa palavra ocorre no Corão sem um qualificativo ou com o qualificativo típico "na causa de Alá", ela invariavelmente significa um apelo ao combate físico em favor do islã. Palavras de Maomé após uma batalha (segundo a hadith): "Todos nós voltamos da jihad menor para a jihad maior". O conceito tem quatro estágios distintos de desenvolvimento no Corão:

(1) Quando o islã era um movimento incipiente, Maomé aconselhou uma política de persuasão pacífica: "Incita os humanos à senda de teu Senhor com prudência e com bela exortação; refuta-os de maneira benevolente... se fordes pacientes, será preferível para vós" (Sura 16:125-126). Posteriormente, Maomé decretou que a luta era permissível somente para repelir a agressão e resgatar bens confiscados por infiéis. "Ele permitiu o combate aos que lutaram, porque foram ultrajados; em verdade, Deus é poderoso e pode secundá-los. São aqueles que foram expulsos injustamente de seus lares só porque disseram: Nosso Senhor é Deus!" (Sura 22:39).

(2) Dentro de poucos meses, essa permissão para lutar em autodefesa se tornou uma obrigação religiosa de batalhar contra aqueles que iniciassem hostilidades contra a comunidade islâmica ou seus interesses: "Combatei pela causa de Deus àqueles que vos combatem; porém, não os provoqueis, porque Deus não estima os agressores. Combatei-os onde quer que os encontreis e expulsai-os de onde vos expulsaram... Não os combatais nas cercanias da Sagrada Mesquita, a menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, combatei-os. Tal será o castigo dos incrédulos" (Sura 2:190-191).

À medida que a doutrina da jihad se desenvolveu, Maomé ensinou que aqueles que sacrificassem suas vidas em batalha pela causa de Alá seriam recebidos no nível mais elevado do céu. Por outro lado, os muçulmanos aptos que rejeitassem o chamado à luta sofreriam a punição divina (9:38-39). Não é de admirar que desde então tenha crescido o número de muçulmanos desejosos de se dedicarem à guerra.

(3) O terceiro estágio de desenvolvimento levou a jihad da defesa para o ataque, exceto nos quatro meses de peregrinação religiosa: "Mas quando os meses sagrados houverem transcorrido, combatei os idólatras onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o tributo, deixai-os em paz" (Sura 9:5).

(4) A evolução final do conceito corânico de jihad afastou quaisquer limitações quanto à época de batalhar na causa de Alá. Quando comandados por um líder islâmico reconhecido, os muçulmanos podiam atacar os incrédulos em qualquer época e em qualquer lugar que ainda não havia se rendido os exércitos do islã. "Combatei aqueles que não crêem em Deus e no Dia do Juízo Final, nem se abstêm do que Deus e seu Apóstolo proibiram, não professam a verdadeira religião daqueles que receberam o Livro, até que eles, submissos, paguem o tributo" (Sura 9:29).

4. O fundamentalismo

Portanto, ao lado de uma tradição tolerante, o islamismo obviamente tem uma ênfase beligerante e agressiva, desde a época de sua fundação. Essa tradição alimenta o radicalismo religioso ou fundamentalismo militante, dependendo das circunstâncias.

No fundamentalismo cristão, isso é grandemente atenuado pelo exemplo e ensinos de Cristo no Novo Testamento (em contraste com a tradição do Antigo Testamento): sua ênfase na não-resistência ou resistência pacífica, ao amor, ao perdão aos inimigos, etc.

Outros fatores que tem alimentado o radicalismo islâmico nas últimas décadas e o seu sentimento anti-ocidental e anticristão (além da questão de Israel) são:
  1. A tentativa de modernização forçada de alguns países muçulmanos, e a conseqüente ameaça de secularização e ocidentalização. Ex: o Irã na época do xá Reza Pahlavi e a revolução dos aiatolás. A conseqüência tem sido o surgimento de repúblicas islâmicas.
  2. O expansionismo político, cultural e econômico do Ocidente gera animosidade. Tem se usado o termo "cruzado" no sentido de "imperialista", "colonialista" ou mesmo "capitalista".
  3. Como o islã é uma religião abrangente, que integra todas as esferas da vida e da sociedade (não há separação entre o religioso e o secular, religião e política), os muçulmanos tendem a aplicar o mesmo critério ao Ocidente, ou seja, não distinguir entre ações políticas de governos e o cristianismo. Não levam em conta a separação entre igreja e estado.
  4. Senso de frustração pela situação decadente em que se encontra o mundo islâmico em comparação com os períodos áureos do passado. O Ocidente é rico, avançado tecnologicamente, tem dado as maiores contribuições ao mundo na área cultural.
  5. Os muçulmanos estão divididos politicamente e religiosamente: países ricos x países pobres; estados seculares x estados teocráticos; árabes x não-árabes. Eles têm guerreado entre si (Irã x Iraque, Iraque x Kuwait).

A partir dos anos 50, o conservadorismo tradicional que sempre se opusera ao modernismo endureceu na forma de resistência política, revolução e finalmente terrorismo. Os conservadores passaram a criticar a decadência ocidental e insistir na volta aos fundamentos islâmicos. As supostas agressões aos valores muçulmanos passaram a ser repelidas com veemência (Versos Satânicos, de Salman Rushdie, 1989).

Tudo isso tem afetado profundamente as relações entre o cristianismo e o islamismo. Os cristãos que vivem em países muçulmanos têm sentido mais fortemente os ventos de mudança. Os muçulmanos moderados temem se manifestar. Há uma necessidade de ações positivas de ambos os lados, a começar do Ocidente, visando curar as feridas abertas e restaurar a confiança entre as duas comunidades.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

EUNUCOS POR CAUSA DO REINO DOS CÉUS...

EUNUCOS POR CAUSA DO REINO DOS CÉUS: REFLEXÕES SOBRE O CELIBATO CLERICAL À LUZ DA HISTÓRIA DA IGREJA

Um dos temas mais discutidos na Igreja Católica nas últimas décadas tem sido a questão do celibato obrigatório de seus religiosos. A ausência de um claro fundamento bíblico para essa prática e a grande falta de sacerdotes para dar assistência aos fiéis católicos têm levado um número crescente de pessoas, tanto leigos quanto religiosos, a reivindicarem uma mudança dessa norma restritiva. Muitos católicos olham para os clérigos ortodoxos e para os pastores protestantes e constatam que o fato de eles se casarem não constitui um entrave para o seu trabalho pastoral. Todavia, os pontífices romanos consistentemente têm se pronunciado de modo contrário a essa reconsideração. A questão do celibato é importante porque está ligada a outros temas fundamentais, como o significado cristão do ministério, da sexualidade, do casamento e da família.

1. Considerações preliminares

O celibato clerical relaciona-se com dois fenômenos que se manifestaram no cristianismo a partir do período antigo: o ascetismo e o monasticismo. À medida que a Igreja foi se tornando majoritária no mundo greco-romano, com o conseqüente declínio dos seus padrões espirituais e éticos, surgiu no íntimo de muitos cristãos o anseio por uma vida mais disciplinada e consagrada a Cristo. Essa aspiração intensificou-se a partir do quarto século, numa reação contra o aumento do poder, riqueza e opulência da instituição eclesiástica resultante das suas ligações com o estado romano. Eventualmente, surgiu o entendimento de que havia duas categorias de cristãos: aqueles que se contentavam com uma vida espiritual inferior e aqueles que aspiravam à perfeição (Mt 19.21).

A ascese ou autodisciplina cristã inspirou-se tanto nas Escrituras quanto na cultura e filosofia gregas. A vida celibatária de João Batista, Jesus e Paulo, bem como certas afirmações destes últimos preservadas no Novo Testamento, exerceram forte influência sobre muitas mentes. Jesus afirmou que alguns indivíduos recebem o dom de se tornarem “eunucos” – renunciar ao casamento – por causa do reino dos céus (Mt 19.11-12) e Paulo recomendou que as pessoas dessem preferência ao estado em que ele mesmo vivia (1 Co 7.8). Além disso, o dualismo platônico tão arraigado na mentalidade grega, com a sua distinção entre espírito e matéria (e a tendência de valorizar aquele em detrimento desta), também contribuiu para certas ênfases dadas à vida religiosa.

Os ascetas e os monges foram vistos como os continuadores da antiga e gloriosa tradição do martírio. Eles eram os “mártires vivos” que, com a sua renúncia aos prazeres da carne podiam de maneira mais livre e desimpedida dedicar-se ao serviço de Deus. Essa renúncia era considerada especialmente significativa na área da sexualidade e desde cedo na história da Igreja houve a tendência de se valorizar extraordinariamente a virgindade e a castidade como condições que contribuíam de modo singular para a vida de santidade. Um bom exemplo dessa preocupação pode ser visto nos escritos de Tertuliano, que viveu em torno do ano 200. É digno de nota que, ao fazerem isso, tais cristãos afastavam-se de uma ampla corrente de ensinos bíblicos, inclusive neotestamentários, que apontavam em uma direção oposta – a valorização do casamento e da vida em família, inclusive para os líderes da Igreja (ver Mt 8.14; 1 Co 9.4-5; 1 Tm 3.1-5; Tt 1.5-6).

2. A institucionalização do celibato

Apesar desses ensinos, a partir do segundo ou do terceiro século surgiu o entendimento de que o celibato era uma condição preferível para os líderes da Igreja. No quarto século, quase todos os bispos da Grécia, Egito e Europa ocidental eram solteiros ou, se casados, costumavam deixar as suas esposas após a consagração episcopal. Todavia, os sacerdotes e diáconos se casavam, não havendo nos primeiros séculos nenhuma lei que proibisse o casamento do clero. Eventualmente, os dois grandes setores da Igreja – oriental e ocidental – desenvolveram normas diferentes quanto ao celibato.

Na Igreja Grega ou Oriental, surgiram leis nos séculos sexto e sétimo proibindo expressamente o casamento dos bispos e determinando que, se já haviam se casado previamente, a esposa devia ser enviada para um convento distante. Todavia, as ordens inferiores do clero tinham permissão de casar-se, prática essa que continua a ser seguida até o presente. Ironicamente, a Igreja ocidental, em teoria menos influenciada pelo dualismo platônico do que a sua congênere grega, acabou adotando normas mais rígidas quanto ao celibato, impondo-o a todos os religiosos, inclusive ao clero inferior. Parece que isso resultou mais de considerações práticas do que propriamente teológicas.

No Ocidente, o celibato tornou-se uma obrigação canônica para o clero através dos esforços combinados de papas e concílios regionais. A mais antiga estipulação sobre o assunto, o cânone 33 do Concílio de Elvira, na Espanha (por volta do ano 305), declara o seguinte: “Decretamos que todos os bispos, sacerdotes e diáconos, e todos os clérigos envolvidos com o ministério, sejam totalmente proibidos de viverem com esposas e gerarem filhos. Quem assim o fizer será deposto da dignidade clerical”. Pouco tempo depois, o bispo Ósio de Córdova tentou sem sucesso fazer com que esse decreto fosse aprovado pelo Concílio de Nicéia (325). Isso acabou sendo feito por vários bispos de Roma nos séculos quarto e quinto – Dâmaso, Sirício, Inocêncio e Leão – que, mediante decretais, impuseram ao clero o celibato compulsório. Na África, França e Itália, alguns concílios regionais emitiram decretos no sentido de assegurar essa prática.

3. A experiência medieval e a Reforma

Em todas as épocas da história da Igreja, a observância do celibato, e especialmente da castidade pressuposta pelo mesmo, foi desrespeitada com maior ou menor intensidade. Um dos períodos em que isso ocorreu de modo mais acentuado foi após a queda do império de Carlos Magno, nos séculos nono e décimo. Nessa época, em certos casos os próprios papas tiveram esposas e filhos, alguns dos quais ocuparam posições de destaque na administração da Igreja. Entre o clero inferior, o casamento, ou pelo menos o concubinato, tornou-se bastante comum, o que não significava que esses clérigos viviam vidas imorais. Muitos deles eram homens honrados que tinham as suas famílias e ao mesmo tempo serviam à Igreja.

Ao mesmo tempo, com a fundação do célebre mosteiro de Cluny, na França central, em 909, surgiu um movimento voltado para a reforma moral e administrativa da Igreja que teve entre seus principais objetivos a luta contra a “simonia”, isto é, a compra e venda de cargos eclesiásticos, e o “nicolaísmo”, ou seja, o casamento clerical. Esse movimento chegou ao seu ápice no pontificado de Hildebrando ou Gregório VII (1073-1085), que se esforçou tenazmente para restaurar o ideal monástico do celibato, visto como algo muito útil para os interesses da Igreja. Ele e outros papas reformadores tornaram o celibato clerical mais amplamente aceito na Igreja ocidental do que jamais havia sido.

Os reformadores protestantes, com sua ênfase na precedência das Escrituras em relação à tradição eclesiástica, rejeitaram o celibato compulsório por considerá-lo carente de fundamentação bíblica. Os principais reformadores, homens como Lutero, Zuínglio e Calvino, eventualmente se casaram, sem que isso em nada tenha prejudicado o seu trabalho como líderes religiosos. Refletindo sobre essa nova realidade, o historiador Steven Ozment observou que “nenhuma mudança institucional produzida pela Reforma foi mais visível, mais sensível aos clamores de reforma do final da Idade Média e mais responsável por novas atitudes sociais do que o casamento dos clérigos protestantes. Também não houve outro aspecto do programa protestante em que a teologia e a prática se harmonizaram com maior êxito”. O casamento, inclusive dos ministros de Deus, foi visto não somente como uma afirmação da dádiva divina da sexualidade, mas acima de tudo como o contexto para a criação de uma nova consciência da comunidade humana, com todas as suas dores e alegrias. Como parte da Contra-Reforma e da reforma católica, o Concílio de Trento (1545-1563) reafirmou o celibato clerical, mas declarou que o mesmo era imposto ao clero pela lei da Igreja, e não pela lei de Deus.

4. A Igreja brasileira

Em virtude do fenômeno conhecido como padroado, no período colonial e no Império, a Igreja Católica brasileira foi fortemente controlada pelo Estado, recebendo relativamente pouca influência de Roma. Os papas tiveram muita dificuldade em aplicar no Brasil as normas da lei canônica, inclusive no que se refere ao celibato dos sacerdotes. Essa restrição, aliada ao ambiente cultural permissivo dos trópicos, contribuiu para que muitos padres “seculares” (isto é, não filiados a ordens religiosas) tivessem suas companheiras e filhos, não somente nas cidades, mas também no ambiente patriarcal dos engenhos de açúcar. Preocupado com essa situação constrangedora, Diogo Antônio Feijó, um sacerdote liberal que ocupou altos cargos na administração do Império na década de 1830, quando deputado em São Paulo chegou a propor que aquela província autorizasse o casamento clerical e escreveu um tratado sobre essa questão.

No longo pontificado de Pio IX (1846-1878), Roma foi assumindo gradativamente um maior grau de controle sobre a Igreja brasileira. Todavia, por um bom tempo uma parcela do clero secular continuou arredia à aceitação do celibato. É muito interessante a esse respeito o testemunho do Rev. John Boyle, um missionário presbiteriano pioneiro que trabalhou por cerca de dez anos no Triângulo Mineiro e em Goiás. Em 1888, ele esteve em uma cidade goiana no dia em que se casou a filha do padre local. O missionário soube que o casamento foi oficiado pelo vigário vizinho e que os dois velhos sacerdotes sempre batizavam e casavam os filhos um do outro. E esse caso não era excepcional. Em toda a região e em todo o país multiplicavam-se os casos de padres amancebados, variando a atitude dos bispos em relação aos mesmos.

Foi somente algumas décadas após a Proclamação da República, com a revitalização da Igreja Católica brasileira e sua maior submissão a Roma, que o celibato clerical passou a ser amplamente exigido e observado. Isso agravou um problema: o número relativamente pequeno de vocações para o sacerdócio, visto que não muitos jovens estavam dispostos a abrir mão da possibilidade de se casarem. Essa foi uma das razões pelas quais sempre houve no Brasil, “o maior país católico do mundo”, um número desproporcional de sacerdotes estrangeiros.

Historicamente, a imposição forçada do celibato aos sacerdotes tem causado grandes problemas para a Igreja Católica, como os numerosos casos de pedofilia noticiados pela imprensa nas últimas décadas, tanto no Brasil como em outros países. Isso sem contar os casos que não vêm a público, por diferentes razões. A Igreja Romana precisa ter a sensibilidade pastoral para entender que muitos indivíduos possuidores de uma vocação religiosa não possuem concomitantemente o dom da vida celibatária. Já que a própria Igreja reconhece que essa norma é uma lei da Igreja, e não uma lei de Deus, seria sensato tornar o celibato uma condição opcional para os seus sacerdotes e freiras, embora seja inegável que o peso da tradição e da história milita fortemente contra essa possibilidade.

Perguntas para reflexão:

1. O Novo Testamento admite o celibato voluntário como opção legítima para alguns cristãos? Em que circunstâncias?
2. Por que não aceitar o celibato compulsório, visto que parece contribuir para uma vida de maior disciplina e dedicação a Deus?
3. O celibato não seria um mal menor quando se considera a permissividade sexual e as altas taxas de divórcio no mundo contemporâneo?
4. O que a insistência no celibato e na castidade pode indicar em relação à sexualidade, ao casamento e à família?
5. Se os padres fossem livres para se casar, isso seria bom para a Igreja Católica?

Sugestões bibliográficas:

· DALARUN, Jacques. Amor e celibato na igreja medieval. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
· OLIVER JR., O. G. Celibato. Em ELWELL, Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988-1990. Vol. I, p. 270s.
· RANKE-HEINEMANN, Uta. Eunucos pelo reino de Deus: mulheres, sexualidade e a igreja católica. Rosa dos Tempos, 1996.

Visite Nossa Loja Parceira do Magazine Luiza - Click na Imagem

Mensagens de Bom Dia com Deus - Good morning messages with God - ¡Mensajes de buenos días con Dios

Bom Dia com Deus

Canal Luisa Criativa

Aprenda a Fazer Crochê

Semeando Jesus