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quarta-feira, 26 de março de 2014

Igreja...

Igreja: Identidade e Símbolo


Grandes teólogos e biblicistas de nosso tempo escreveram a respeito da eclesiologia. Emil Brunner, Karl Barth e Jürgen Moltmann, por exemplo, deixaram letras lapidárias na história da doutrina da igreja cristã.
Brunner insistira que a essência da igreja neotestamentária era a comunhão do crente com Cristo, por meio da fé, e a fraternidade cristã no amor. O tom ácido da eclesiologia do teólogo dialético dirigia-se contra o “eclesiasticismo clerical”. Condenava ferreamente o clericalismo e a forma de poder e domínio advindos desta forma de governo cristão. Para o teólogo suíço, o Espírito Santo não cria cargos por meio dos quais o homem governa, mas serviços através dos quais o líder serve.
Outro teólogo dialético, Karl Barth, ocupou-se mais especificamente com o ministério da igreja no mundo. De acordo com Barth, a igreja efetua sua missão mediante a palavrae a ação. O primeiro termo desse binômio congrega a missão querigmática da igreja: pregação, catequese, evangelização, missões, teologia e adoração. O segundo concentra-se nas ações da igreja a favor da restauração completa do ser humano, como por exemplo, a diaconia, a intercessão, e a ação profética da igreja no mundo.
À semelhança de J. Moltmann, Barth acreditava que a igreja é a comunidade de Deus quando é comunidade para o mundo. O que justifica a existência da igreja no mundo é o cumprimento da missão que Deus a delegou para cumprir. Se a igreja não cumprir o mandato de Cristo, deixará de ser o seu corpo glorioso e tornar-se-á mera instituição. Se cumprir parcialmente sua missão, jamais desfrutará da essência de sua natureza e identidade.
Jürgen Moltmann, patrono da teologia da esperança e da teologia da cruz, justificara que a natureza e a função da igreja ocorrem no entrecruzamento de sua identidade com Cristo, na obediência à missão, na apostolocidade, e na práxis cristã nas áreas política, econômica, educacional e cultural. A igreja é agente de transformação espiritual e social.
Teólogos do quilate de A. Strong, Lewis Chafer, Stanley Horton, Charles Hodge, Wayne Grudem, entre outros ilustres brasileiros, já lapidaram a doutrina da igreja com tanta mestria que, talvez, não se justifique mais uma obra sobre eclesiologia.
Todavia, a obra que o leitor tem em mãos não é um tratado sistemático e histórico da eclesiologia. Igreja: Identidade e Símbolo é uma análise conscienciosa a respeito do termo ekklēsia nas páginas do Novo Testamento, com interface no texto hebraico do Antigo Testamento e do grego da Septuaginta. Trata-se de uma obra cujo objetivo não é substituir os manuais de eclesiologia, mas servir de leitura complementar aos estudantes de teologia interessados em conhecer o contexto, a semântica e o desenvolvimento do termo até os dias hodiernos.
O método usado e predominante nesta obra é o léxico-sintático, entretanto, quando necessário, empregamos alguns recursos do método histórico-crítico, a exegese e o Sitz im Leben Kirche (contexto vital da igreja).
Essa última abordagem iniciou-se mais concretamente com o exegeta germânico Hermann Gunkel quando aplicara aos estudos de Genesis e dos Salmos o método dosgêneros literários, Formgeschichte, ou Críticas das Formas. Nesta tarefa, além de classificar os Salmos em seus principais gêneros (hinos de louvor, lamentações nacionais, reais e messiânicos, lamentos individuais, ação de graças individuais, etc.), também inquiriu a respeito do contexto histórico, cultural e religioso do Saltério (Sitz im Leben), bem como do lugar dos salmos na vida do povo (Sitz im Volksleben).
A razão do emprego do método deve-se ao fato de que a criação de qualquer gênero literário pretende responder alguma situação específica do povo, ou ainda, atender certa necessidade da existência humana. Logo, o método é um excelente recurso ao estudo do vocabulário do Novo Testamento, pois vivifica o significado estático, gélido e impessoal dos vernáculos bíblicos.
Neste opúsculo despretensioso, também encontra-se implícito no texto algumas abordagens semióticas, baseadas na articulação entre as três camadas de sentido textual proposta pelos teóricos do discurso.
O primeiro é o semântico, que estuda as relações entre os termos e os diversos significados textuais. Nesta etapa verificamos o sentido, a morfologia intencional, e asignificação, definido por Jacques Fontanille, como o “conteúdo de sentido atribuído a uma expressão a partir do momento em que essa expressão foi isolada (por segmentação) e que se verificou que esse conteúdo lhe é especificamente inerente (por comutação)”.[1]
O segundo é o sintático, etapa que procura compreender a estrutura do termo-chave e a relação semiológica deste com o restante do texto, da oração, da frase, ou do discurso. Busca-se compreender a função e disposição da palavra no texto e da oração no período.
O terceiro é o pragmáticoque estuda o valor do signo no contexto do narrador e do leitor, bem como a forma como interpretamos e descrevemos os signos textuais. Perfazendo assim, três níveis de significação de um discurso de acordo com Algirdas J. Greimas: o fundamental, o narrativo e o discursivo.
Será evidente para aqueles que se aplicam ao estudo da semiologia que fitamos apenas alguns aspectos desses níveis da análise; não espere, por exemplo, encontrar o “quadrado semiótico” exemplificado. Porém, o leitor deve estar cônscio que ao adotarmos certos aspectos da semiologia neste estudo, não seguimos todos os pressupostos desenvolvidos pela filosofia estruturalista, principalmente quando esta nega os sujeitos e a referência extra-textual. O emprego da semiótica no estudo das Escrituras parte de minha percepção de que o futuro da hermenêutica bíblica está relacionado ao progresso dessa ciência.
Nosso objetivo ao articular esses métodos fora compreender o texto bíblico e o termo-chave de nossa pesquisa em sua dimensão lexical, cultural, bíblica e teológica com vistas à interpretação da identidade e natureza da ekklēsia neotestamentária.
Quanto à estrutura deste opúsculo, a obra está dividida em seis breves capítulos.
No primeiro, discutimos os diversos significados do termo ekklēsia no contexto secular e religioso, intermediando entre à compreensão clássica dos gregos em Homero e a religiosa dos judeus, através da Septuaginta, do Antigo Testamento, e dos livros apócrifos.
No segundo, descrevemos a distinção e relação entre a Igreja universal e a igreja local, acentuando-lhes o caráter pneumatológico e antropológico.
No terceiro, estudamos o vocábulo nas epístolas paulinas e nos Atos dos Apóstolos, com ênfase na identidade, natureza e símbolos das igrejas citadinas.
No quarto capítulo, nos ocupamos com a pesquisa do logion mateano de 16.18, incluindo uma breve pesquisa historiográfica desse perícope e sua interpretação entre os teólogos pentecostais.
No quinto, concentramo-nos nas epístolas joaninas, especificamente no problema de tradução e interpretação da identidade da igreja na segunda carta. Ousamos apresentar outra possibilidade, mas sem interesse em dogmatizar nosso ponto de vista.
No último capítulo, discutimos os vários sentidos de ekklēsia da modernidade à pós-modernidade.
Nossa sincera oração é que esta obra cumpra o propósito pela qual foi criada: atender as necessidades dos estudantes de teologia que desejam se aprofundar no sentido sincrônico e diacrônico de ekklēsia nas páginas do Novo Testamento e nos dias atuais.

Fonte: Editora CPAD

terça-feira, 25 de março de 2014

Santificação...

Santificação: Mansidão, fruto do Espírito Santo


O mais precioso fruto da santificação é a graça da mansidão. Quando esta graça reina no coração, a disposição é moldada por sua influência. Há uma contínua confiança em Deus e uma submissão da própria vontade à dEle. O entendimento apodera-se de toda verdade divina, a vontade dobra-se diante de todo preceito divino, sem duvidar nem murmurar. A verdadeira mansidão abranda e subjuga o coração e prepara a mente para a palavra impressa. Leva os pensamentos à obediência de Jesus Cristo. Abre o coração à Palavra de Deus, como foi aberto o de Lídia. Coloca-nos com Maria, como aqueles que aprendem, aos pés de Jesus. “Guiará os mansos retamente: e aos mansos ensinará o Seu caminho”.

A linguagem dos mansos não é nunca de jactância [ou vaidade, arrogância, orgulho]. Como o menino Samuel, eles oram: “Fala, Senhor, porque o Teu servo ouve” [1Sm 3:10]. Quando Josué foi colocado na elevada posição de honra, como comandante de Israel, desafiou a todos os inimigos de Deus. Seu coração encheu-se de nobres pensamentos quanto a sua grande missão. Contudo, ante a intimação de uma mensagem do Céu, colocou-se na posição de uma criancinha, para ser dirigido. “Que diz meu Senhor ao Seu servo?” [Js 5:14] foi sua pergunta. As primeiras palavras de Paulo depois que Cristo Se revelou a ele foram: “Senhor, que queres que faça?”.

A mansidão, na escola de Cristo, é um dos assinalados frutos do Espírito. É uma graça produzida pelo Espírito Santo como agente santificador, e habilita seu possuidor a controlar, em todo tempo, um temperamento impulsivo e impetuoso. Quando a graça da mansidão é acariciada por aqueles que, naturalmente, são de uma disposição irritadiça e colérica, eles hão de empenhar os maiores esforços para subjugar seu infeliz temperamento. Cada dia ganharão domínio próprio, até que aquilo que é rude e dessemelhante a Jesus seja vencido. Eles se assemelharão ao Padrão divino, até ao ponto de poderem obedecer à inspirada injunção: “Pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” [Tg 1:19].

Quando um homem professa estar santificado e, todavia, pelas palavras e ações pode ser representado pela fonte impura, fazendo jorrar suas águas amargosas, podemos seguramente dizer: Esse homem está enganado. Ele precisa aprender mesmo os rudimentos que formam a vida de um cristão. Alguns que professam ser servos de Cristo têm, por tão longo tempo, nutrido o espírito de aspereza, que parecem amar o elemento profano e ter prazer em falar palavras que desgostam e irritam. Estes homens precisam converter-se antes que Cristo os reconheça como Seus filhos.

A mansidão é o adorno interior que Deus julga de grande preço. O apóstolo fala dela como sendo mais excelente e valiosa do que o ouro, ou as pérolas, ou vestidos preciosos. Enquanto o adorno exterior embeleza somente o corpo mortal, a virtude da mansidão adorna o coração e põe o homem finito em conexão com o Deus infinito. Este é o ornamento da própria escolha de Deus. Aquele que ornamentou os céus com as esferas de luz, prometeu que, pelo mesmo Espírito, “adornará os mansos com a salvação”. Os anjos do Céu registrarão como melhor adornados aqueles que se revestem do Senhor Jesus Cristo e andam com Ele em mansidão e humildade de espírito.

A filiação atingida

Há elevadas consecuções para o cristão. Ele pode sempre estar subindo a mais altas aquisições. João tinha uma elevada concepção do privilégio do cristão. Ele diz: “Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus”. Não é possível à humanidade subir a uma dignidade mais elevada do que esta aqui incluída. Ao homem é outorgado o privilégio de tornar-se herdeiro de Deus e co-herdeiro com Cristo. Aos que assim foram exaltados, são reveladas as inescrutáveis riquezas de Cristo, as quais são milhares de vezes mais valiosas do que as do mundo. Assim, mediante os méritos de Jesus Cristo, o homem finito é levado à Sociedade com Deus e Seu querido Filho.

Santificação: Produção natural de frutos

Aqueles que se dão ao trabalho de chamar a atenção para suas boas obras, constantemente falando de seu estado sem pecado e esforçando-se por salientar suas consecuções religiosas, com isto apenas estão enganando seu próprio coração. Um homem sadio, que está em condições de atender às vocações da vida e que, dia após dia, se dedica ao seu trabalho, com espírito alegre e uma saudável corrente de sangue em suas veias, não chama a atenção de todos aqueles a quem encontra para a sanidade de seu corpo. Saúde e vigor são as condições naturais de sua vida e, portanto, ele raramente se lembra de que está no gozo de tão rico dom.

Assim se dá com o homem verdadeiramente justo. Ele anda inconsciente de sua bondade e piedade. O princípio religioso tornou-se o motivo de sua vida e conduta, e é-lhe tão natural produzir frutos do Espírito como para a figueira produzir figos ou a roseira carregar-se de rosas. Sua natureza está tão inteiramente imbuída do amor a Deus e ao próximo, que faz as obras de Cristo com espírito voluntário.

Todos os que entram na esfera de sua influência, percebem a beleza e fragrância de sua vida cristã, ao passo que ele próprio está inconsciente desta, visto estar ela em harmonia com seus hábitos e inclinações. Ele ora pedindo luz divina, e ama o andar nessa luz. É sua comida e bebida fazer a vontade de seu Pai celestial. Sua vida está escondida com Cristo em Deus; contudo, não se jacta disto, nem parece ter disto consciência. 

Deus sorri para os humildes e meigos que seguem de perto as pisadas do Mestre. Os anjos são atraídos a eles e apreciam demorar-se ao seu redor. Eles podem ser passados por alto como indignos de consideração por aqueles que alegam exaltadas consecuções e se deleitam em tornar preeminentes suas boas obras; mas os anjos celestiais curvam-se amavelmente sobre eles e são como uma parede de fogo ao seu redor.

Por que Cristo foi rejeitado


Nosso Salvador era a luz do mundo; mas o mundo não O conheceu. Ele estava constantemente empenhado em obras de misericórdia, derramando luz sobre o caminho de todos; todavia, não chamava a atenção daqueles com quem 

Se misturava para que contemplassem Sua incomparável virtude, Sua renúncia, sacrifício e benevolência. Os judeus não admiraram tal vida. Consideravam Sua religião como sem valor, porque não concordava com sua norma de piedade. Julgaram que Cristo não era religioso em espírito ou caráter, porque a religião deles consistia em exibições, em orações públicas e em fazer obras de caridade por ostentação. Trombeteavam suas boas ações como o fazem aqueles que arrogam a si a santificação. 

Queriam que todos compreendessem que eles estavam sem pecado. Mas a vida toda de Cristo estava em contraste direto com isto. Ele não buscava nem ganho nem honra. Suas maravilhosas ações de cura eram praticadas da maneira mais silenciosa possível, conquanto não pudesse restringir o entusiasmo daqueles que se tornavam os recipientes de Suas grandes bênçãos. Humildade e mansidão caracterizavam Sua vida. E foi por causa de Seu andar humilde e de Suas maneiras despretensiosas, em tão notável contraste com as dos fariseus, que estes não O aceitaram.

EXEGESE BÍBLICA...

EXEGESE BÍBLICA – O QUE É E COMO SE FAZ


Quem aqui não deseja ser capaz de compreender da maneira mais exata possível o texto bíblico?

Quem não quer possuir as melhores bases para uma construção teológica bem fundamentada? Quem não quer saber discernir o joio do trigo entre tantas coisas que se dizem sobre a Escritura Sagrada? Para tudo isso, é importante, e mesmo indispensável, conhecer exegese bíblica.

I. Antes de mais nada, é preciso saber: o que exegese bíblica é; e o que não é?
Exegese não é tradução – A despeito de o hebraico e o grego bíblicos não serem mais línguas faladas em nossos dias, judeus e gregos, ao menos em tese, quando tratam respectivamente do AT e do NT, não precisam de tradução, embora precisem de exegese, como todos os estudiosos da Bíblia Sagrada. Tradução é necessária, como passo prévio à exegese, para não falantes da língua-fonte e/ou para a comunicação do exegeta com não falantes dessa língua; tradução não é, em si, exegese.

Exegese é diferente de hermenêutica – Esta trata dos princípios e normas da interpretação, aquela da prática da interpretação, dos passos concretos dados no trabalho interpretativo. Pode-se dizer que exegese está para hermenêutica assim como prática está para teoria. Exegese é prática hermenêutica (interpretativa), pela aplicação dos princípios e normas da ciência hermenêutica (teórica).

Exegese se distingue de teologia – Esta se faz a partir de conceitos, não necessariamente a partir da análise de textos, embora o devesse fazer, no momento atual do labor teológico. A boa teologia é aquela feita a partir de conceitos extraídos dos textos bíblicos. E aqui é bom dizer que exegese, embora distinta de teologia, não se dissocia desta; pois exegese é necessária, mas não suficiente. Em termos ideais, o exegeta deveria ser também teólogo, para que seu trabalho de interpretação esteja completo.

Entendemos exegese como ciência, que tem objeto e método próprios. Seu objeto são os textos, em nosso caso, os textos bíblicos. Seu método por excelência é o histórico-crítico, do qual falaremos adiante.

Vale lembrar de passagem que exegese não é ciência apenas bíblica. Pois todo texto precisa de interpretação: o jurídico, o literário, o filosófico etc.

Exegese é também arte. Aqui entram talentos, sensibilidades, insights pessoais e próprios do exegeta, todos relevantes no processo interpretativo.

Embora a observação do trabalho de outros seja importante no aprendizado da exegese, esta só se aprende mesmo fazendo, ou seja, com a experiência, com a colocação em prática da ciência e da arte exegéticas. É como tudo na vida.

Exegese é análise detalhada de um texto sob vários ângulos (o textual, o literário, o dos motivos/temas, o do processo de composição), a fim de extrair dele sua mensagem. Importante é a distinção entre exegese (condução para fora) e eisegese (condução para dentro). Exegese é aquilo que, como teólogos e pregadores sérios, devemos praticar, respeitando o texto, seu autor e sua intenção, seu contexto e sua forma, seu conteúdo e seu sentido.

A propósito, vale ressaltar que cada texto bíblico tem um sentido único (Assim também ensina a Confissão de Fé de Westminster, cap. I, IX: o sentido de qualquer texto da Escritura não é múltiplo, mas único.) Seu sentido é aquele intencionado pelo autor, ao qual todos os intérpretes devem procurar chegar. Para isso, é preciso respeitar a voz do texto: sua perspectiva, sua mensagem, suas demandas. O texto não pode ser manipulado ao nosso bel prazer, para dizer o que nós queremos que ele diga, mas escutado naquilo que eletem a nos dizer, mesmo e principalmente contra nós. É mister deixar que o texto fale, e ouvi-lo (também no sentido bíblico de obediência).

Exegese precisa levar em consideração a enorme distância temporal/histórica (em alguns casos, também espacial/geográfica) e, sobretudo, cultural que existe entre os textos bíblicos e nós, pessoas de outra época e cultura. Embora, como cristãos, tenhamos a convicção de que a mensagem da Bíblia se destina a todas as pessoas, de todos os tempos e lugares e culturas, precisamos ter consciência clara de que não somos seus primeiros destinatários, lembrando sempre que a Bíblia não foi escrita em nossa língua e em nossa cultura, o que implica grande atenção e esforço para superar a distância que medeia entre o texto bíblico e nós.

Exegese precisa contar com o auxílio de várias ciências humanas (história, geografia, arqueologia, paleografia, história das religiões comparadas, entre outras). Isto é assim porque a distância que há entre a Bíblia e nós não pode ser devidamente transposta pelo mero recurso a uma investigação restrita ao âmbito literário interno à Bíblia. Não basta ler e buscar interpretar a Bíblia em si mesma, isolada do contexto histórico e cultural em que foi produzida. Não se deve fazer exegese sem se entrar em diálogo com outras ciências humanas, que nos ajudam a conhecer e compreender o mundo da Bíblia.

Exegese busca interpretação objetiva dos textos, a mais objetiva possível. O exegeta sabe que a objetividade absoluta é impossível, constituindo-se uma ilusão. Há condicionamentos que limitam a prática exegética, como de resto qualquer outra tarefa investigativa humana. Há pré-compreensões que inevitavelmente são trazidas para a atividade de interpretação de qualquer texto; no caso da interpretação de textos bíblicos, estas pré-compreensões incluem também aquelas que fazem parte do cabedal doutrinário e teológico da comunidade de fé a que pertence o exegeta. Mas isso não significa que a objetividade não possa ou não deva ser buscada. Ela permanece como ideal a guiar o trabalho do exegeta, que deve realizar seu mister com plena consciência de seus condicionamentos e de suas pré-compreensões, para que eles o influenciem o mínimo possível.

A exegese bíblica possui uma longa e complexa história, da qual já o AT dá testemunho. Como exemplos, podem-se citar a Obra Cronista de História, que é uma releitura da Obra Deuteronomista de História; e a reinterpretação dada por Daniel aos setenta anos de cativeiro do anúncio de Jeremias, transformando-os em setenta semanas de anos (cp. Jr 25.11s; 29.10 a Dn 9.2 e 24). Ela é vista também no NT, em Paulo, por exemplo, que reinterpreta elementos e figuras da história antiga de Israel (cf. 1 Co 10.1-4; Gl 4.21-31), além de ser também observada no conjunto dos autores do NT, que, grosso modo, releem o todo do AT à luz do evento-Cristo.

Hoje, à luz das exigências do tempo e das conquistas da ciência bíblica, já não é mais possível fazer exegese como a faziam os antigos. Mas, como os antigos, continuamos precisando interpretar os textos bíblicos. Na realização dessa tarefa, não devemos pensar que a exegese científica tenha passado a ser o único nível de leitura admissível de um texto, superando e pondo de lado todos os demais. Há outras leituras, cada uma delas com seu valor: por exemplo, as devocionais e as tradicionais. Longe de nós desprezar as leituras dos crentes, alimento indispensável para a fé e a comunhão com Deus, ou as dos pais e dos reformadores, plenas de intuições espirituais profundas, embora seus métodos não sejam os mesmos que os nossos, e, alguns casos, nem aceitáveis nos tempos atuais. Mas, quando fazemos exegese hoje, devemos ter consciência de nos inserir numa longa corrente de interpretação bíblica, à qual somos devedores e da qual muito podemos aprender.

Importa, antes e acima de tudo, ter em vista que exegese está a serviço da fé, tanto no nível da espiritualidade (fé vivida) quanto no da teologia (fé pensada). Não é um fim em si mesmo, mas uma tarefa auxiliar, subsidiária ao labor teológico da comunidade e à melhor compreensão e colocação em prática das exigências da vida religiosa.

II. Com que meios se faz exegese científica? Primordialmente, com uso do assim chamado método histórico-crítico. (Que, na realidade, não é um método, mas um conjunto de métodos, do qual fazem parte, por exemplo, a crítica textual, a análise literária, a crítica das fontes, a crítica das formas, a crítica da tradição, a crítica da redação.)

O MHC é o método científico por excelência. Por quê? O MHC apresenta diversas vantagens, a despeito de seus limites e riscos. Entre os limites e riscos do MHC, podemos enumerar várias coisas: o academicismo, a arrogância diante de outras leituras, o reducionismo historicista, a excessiva decomposição do texto bíblico em fragmentos cada vez menores (dificultando cada vez mais a percepção de sua unidade), a despreocupação para com a aplicabilidade prática das pesquisas (descurando do momento de síntese, indispensável após o de análise), a ilusão de que tudo seja racional ou racionalizável, a absolutização de seus resultados.

Não obstante todos esses limites e riscos, o MHC ainda vale a pena. Ele permanece sendo um referencial metodológico útil e mesmo indispensável, ao qual muito se deve na história da exegese e do qual ainda muito se pode receber.

Graças a MHC, sabemos bem melhor hoje do que no passado a importância e o valor da identificação dos gêneros literários dos textos bíblicos, que não podem ser todos lidos com os mesmos óculos, pois são distintos em sua natureza. A variedade de gêneros literários empregados na Bíblia é enorme, e precisa ser levada em conta na análise de cada texto em particular. Não se pode ler, da mesma maneira, um texto legal, uma narrativa, um oráculo profético, uma oração, um texto apocalíptico. Cada uma dessas formas literárias tem características próprias, que devem ser distinguidas e consideradas. Assim também é importante discernir as fontes dos textos bíblicos, as tradições que a eles subjazem, o longo e complexo processo de formação e composição das unidades textuais, dos livros, dos corpora literários e da Bíblia como um todo.

O MHC nos ajuda a colocar em perspectiva as interpretações, nossas e de outros.

O MHC não nos permite instrumentalizar o texto a nosso gosto e de acordo com nossos interesses, lendo-o de maneira seletiva e arbitrária, sem consideração para com seu contexto (literário, histórico, social, religioso etc.) e propósito originais.

O MHC nos possibilita ver melhor a diversidade de teologias que há na Bíblia, sem que isso necessariamente implique prejuízo para sua unidade. No entanto, ele nos alerta para o fato de que não se deve buscar uma harmonização a qualquer custo dessas diferenças pela eliminação de toda tensão e conflito entre as variadas perspectivas teológicas recolhidas nas Escrituras Sagradas.

O MHC leva a sério a humanidade dos autores bíblicos em sua condição de testemunhas da revelação divina, e o fato de que essa revelação foi percebida e refletida dentro de situações históricas bem concretas e definidas. Afinal, o texto bíblico é Palavra de Deus em palavra humana, escrito e reescrito em meio às vicissitudes da história. A Bíblia é mais que um mero documento histórico (reconhecida que é como Palavra de Deus pelos que creem no Deus da Bíblia, além de como patrimônio cultural da humanidade e como pilar da civilização ocidental); mas é também um documento histórico. De fato, a Bíblia é uma obra literária de grande envergadura; um verdadeiro clássico da literatura universal. O texto bíblico não caiu do céu. Não nasceu pronto. Tem atrás de si uma longa e complexa história de formação e composição. Por isso, há coisas na Bíblia que só se explicam diacronicamente, como, por exemplo, as diferenças entre as duas narrativas da criação (Gn 1-2) e entre versões das mesmas leis no Pentateuco (Decálogo, lei do altar, lei do escravo etc.), provenientes que são de épocas e concepções distintas. Portanto, a análise diacrônica feita pelo MHC é importante e necessária, sem que isso implique qualquer desprezo pela análise sincrônica, que considera o texto em sua forma final, canônica, autoritativa para a vida da Igreja.

De mais a mais, além de uma longa e complexa história de formação e composição, o texto bíblico tem também uma longa e complexa história de transmissão: cópias, versões, citações, edições, que envolvem inúmeros problemas (mudanças intencionais e não-intencionais, adaptações culturais e releituras, imprecisões, decisões editoriais). Daí também a importância e a necessidade da atitude crítica diante do texto.

O método da exegese bíblica é histórico (e deve sê-lo) porque lida com documentos históricos milenares; porque reconhece que esses documentos se formaram ao longo de séculos, conhecendo diversos estágios em seu processo composicional até chegar ao estado em que hoje os encontramos; e porque se interessa pelas condições históricas que geraram esses textos.

O método é também crítico (e deve sê-lo) no sentido de que reconhece a necessidade de se fazer juízos sobre o material estudado, sobre suas interpretações ao longo da história (estudadas pela chamada história dos efeitos ou da recepção do texto), e sobre suas próprias conclusões, sempre provisórias e relativas, ainda que com graus de probabilidade distintos, possibilitando maior ou menor certeza com relação ao sentido dos textos analisados. Vale lembrar que um método não pode ter a pretensão de ser histórico sem ser crítico, pois não se faz trabalho histórico sem atitude e espírito críticos.

A exegese histórico-crítica, em uma palavra, respeita o texto e seu autor, entendendo que o sentido original e literal é o sentido do texto, e busca descobri-lo com o melhor instrumental científico disponível. O MHC não é o único método que há, mas é, no mínimo, um ponto de partida e uma base que não devem ser rejeitados a priori, e, no máximo, o melhor método científico que já foi criado para a interpretação de textos.

A propósito, duas observações laterais:
Primeira: Ciência se faz com hipóteses e argumentos, não com apelo a instâncias de autoridade, quaisquer que elas sejam. Uma coisa deve ser considerada verdadeira ou válida em termos científicos não simplesmente porque alguém disse que seja assim, mas porque esse alguém fundamentou adequada e convincentemente suas afirmações. O cientista busca a verdade e luta por ela com a força de argumentos, não invocando a palavra de autoridades, muito menos servindo-se da força bruta e da violência – coisa dos autoritários e dos totalitários, que não têm lugar legítimo no mundo da ciência e do amor e da busca pela verdade. (Quisera Deus não tivessem lugar em mundo nenhum!)

Segunda: Leitura literal distingue-se de leitura literalista. A leitura literal reconhece, respeita e valoriza os diversos gêneros literários dos textos bíblicos. A leitura literalista toma ingenuamente tudo ao pé da letra, pelo seu valor de face. Uma interpretação bíblica que se possa verdadeiramente chamar de literal muitas vezes será figurada ou simbólica. Pois a Bíblia é um texto religioso. E a linguagem religiosa é figurada ou simbólica por excelência, visto tratar do inefável. Só se pode falar de Deus e das coisas de Deus de maneira aproximativa.

III. De que modo se faz exegese? Como se busca a verdade do texto? Ou, em outras palavras, qual a atitude fundamental do exegeta? Esta não pode ser outra senão a de buscar a verdade do texto incansavelmente, e com humildade, para poder praticá-la e transmiti-la a outros.

A busca da verdade é incansável – pois a verdade nunca é totalmente alcançada por ninguém, e dela sempre se pode conhecer algo mais. De fato, o exegeta é movido por um desejo constante de ir além do já alcançado, de chegar até onde lhe seja possível. Como homem ou mulher de ciência, sabe que a busca da verdade é processo contínuo, que nunca se encerra. E que há sempre algo a aprender, por mais que se saiba.

A busca da verdade do texto é empreendida com humildade. A humildade do intérprete está, entre outras coisas, em que ele reconhece continuamente que pode não estar lendo com exatidão ou estar errado mesmo em sua leitura, e, portanto, está pronto a ser esclarecido ou corrigido. Sabe também que a nossa visão humana, do que quer que seja, inclusive da verdade, é limitada, parcial, é sempre vista de um ponto. Precisamos da ajuda de outros, e estar dispostos e sempre abertos a mudar nossa compreensão.

A busca da verdade é voltada para a prática na vida pessoal do intérprete e a comunicação e a partilha do encontrado com outros no serviço da comunidade de fé. Do contrário, não tem sentido.

Mas não só isso caracteriza a atitude do exegeta.

É preciso reconhecer também a importância do acesso ao trabalho de outros. O exegeta não está sozinho em sua busca da verdade. Além do mais, não se cria do nada, nem é preciso redescobrir a pólvora ou reinventar a roda, perdendo tempo em busca do que já foi encontrado. Daí o valor das traduções antigas e modernas, do aparato crítico das edições científicas do texto bíblico, das concordâncias, dos dicionários, dos comentários, das obras de história e de teologia bíblica.

Importa igualmente assumir sempre uma postura crítica: diante do texto em si; diante de nossa própria tradição interpretativa; e, sobretudo, diante de nós mesmos (que trazemos sempre para nossas leituras nossas pré-concepções e pré-compreensões). Nada deve ficar sem questionamento. Nenhuma dúvida deve deixar de ser expressa, nenhuma pergunta deve deixar de ser feita, nenhum problema deve deixar de ser levantado – desde que pertinentes ao texto em exame. Não há o que temer com relação ao texto ou à verdade de que é portador – pois o texto e sua verdade são capazes de suportar qualquer escrutínio sério ao qual sejam submetidos.

E ainda: Que se cultive o segredo do exegeta: a prontidão para ouvir (não para falar, como em geral preferimos). Ele implica:

Abertura ao texto – Ir a ele desarmado, e sem levar ideias prévias a ele. Dizer a si mesmo: “Eu não sei, preciso e quero aprender” é a melhor atitude inicial.

Atenção – Ir ao texto com foco e concentração, sem distrações. Pontos interessantes que surjam, mas que não tenham a ver com a análise específica que se está empreendendo, devem ser anotados e guardados para outro momento.

Paciência – O trabalho exegético é longo, complexo, e lento. Não adianta querer chegar logo a resultados concretos e definitivos; não adianta forçar as conclusões a vir
.
Calma – O exegeta tem que saber esperar. É preciso meditação no que se lê, investir tempo na reflexão. Deixar as ideias repousarem, fermentarem, como massa de pão e de bolo, até que se façam claras. Imprescindível ter cuidado com a pressa, compreensível mas injustificável, em aplicar e fazer falar o texto às urgentes demandas do hoje. Primeiro, é mister procurar ouvir o texto em seu lá e então, com toda a calma; depois, em nosso aqui e agora.

Perseverança – Muitas vezes o entendimento de um texto é mais difícil do que à primeira vista parecer ser; o texto não se entrega com facilidade. Cabe então não desistir, nem desanimar. A tarefa não é simples, mas é altamente recompensadora.

Conclusão
Exegese é interpretação, busca de sentido de um texto. O sentido é único, e é alcançado pela leitura literal do texto. Outras leituras, para que tenham validade, não podem contradizer o sentido literal do texto.

Exegese demanda conhecer a intenção do autor, os gêneros literários empregados por ele, o contexto histórico no qual e para o qual escreveu, e todas as etapas do desenvolvimento do texto que se possam discernir, se queremos descobrir a verdade do texto. Esta é estabelecida pelo texto, não pelo leitor. É preciso deixar que o texto fale, mesmo contra o leitor. Cabe ao leitor buscar ouvir o que o texto tem a dizer, não o que ele leitor quer ouvir.

Exegese tem como finalidade colaborar na busca da inteligência da fé. Fides quaerens intellectum, a fé está em busca da compreensão, segundo o moto de Santo Anselmo. E nada pode nos auxiliar mais nessa empresa do que uma exegese bem realizada.

Exegese não é fim em mesmo, mas meio, instrumento a serviço da construção teológica. De fato, exegese é a base da teologia.

Exegese, como toda e qualquer ciência, se faz com método científico, o que significa dizer, histórico-crítico. O método científico tem limites. O próprio saber científico não é o único legítimo. Contudo, embora não suficiente, a exegese científica é necessária e mesmo imprescindível para que possamos conhecer e viver a nossa fé, e dar razão da nossa esperança no séc. XXI da melhor maneira que pudermos, como buscaram também fazer, em seu tempo e com os melhores instrumentos de que dispunham, aqueles que vieram antes de nós, e em cujos passos seguimos.

Palestra proferida por Paulo Severino da Silva Filho, ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil e doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio, em seis de fevereiro de 2012, na FAECAD, como aula inaugural do ano letivo.

Fonte:


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