Visite nossa Página no JUSBRASIL

Site Jurídico

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Fernandinho - Grandes Coias...


Pastoreia as minhas ovelhas...

Pastoreia as minhas ovelhas: o ministério cristão em perspectiva histórica

Nos últimos anos, os meios de comunicação têm noticiado com freqüência preocupante muitos casos de pastores e sacerdotes que têm sido infiéis no exercício de seu elevado encargo, envolvendo-se com delitos sexuais, desonestidade financeira e abuso de autoridade, entre outras situações. Muitas vezes, esses problemas têm trazido ruína para a vida pessoal dos envolvidos, vergonha para as suas congregações e descrédito para a igreja e para o evangelho. Essa triste realidade torna oportuna e necessária uma reflexão bíblica e histórica acerca do ministério cristão.

1. O ensinamento bíblico

A Escritura Sagrada ensina que Deus é o supremo dirigente e orientador do seu povo. Algumas passagens significativas que apontam para isso são Gn 49.24; Sl 23.1-4; 80.1; 100.3 e Is 40.10-11. A mesma verdade é afirmada a respeito do Messias, o Cristo (ver Mq 5.4; Mt 2.6; Jo 10.11-16; Hb 13.20; 1 Pe 2.25; 5.4; Ap 7.17). Um exame desses textos mostrará que o termo mais usado é “pastor”: Deus ou Cristo é o supremo pastor do seu povo, estando incluídos nesse conceito as idéias de sustento, proteção, direção e disciplina, entre outras. Ao mesmo tempo, a Bíblia mostra que Deus (Cristo) houve por bem nomear representantes humanos para exercerem liderança e assistência espiritual no meio do seu povo. Na velha dispensação esses líderes foram principalmente os reis, os juízes, os sacerdotes e os profetas. Na nova dispensação, Deus entregou a sua igreja aos cuidados dos apóstolos e dos presbíteros ou bispos.

Assim como acontece com Deus Pai e Jesus Cristo, também no caso dos líderes humanos uma das figuras que melhor descrevem as suas funções e responsabilidades é a do pastoreio das ovelhas (ver Jo 21.15-17; At 20.28; Ef 4.11; 1 Pe 5.2). No Antigo Testamento, o grande protótipo do pastor é o rei Davi (2 Sm 5.2; Sl 78.70-72; Ez 34.23) e no Novo Testamento, o apóstolo Paulo (At 20.18-35; 2 Co 6.4-13; 1 Ts 2.1-12). Outro termo bíblico de grande relevância é “ministro” (diákonos, leitourgós, hyperétes), ou seja, aquele que serve. Os ministros são servos tanto de Deus quanto da igreja, o povo de Deus. Suas tarefas incluem pregar, alimentar, edificar, interceder, convencer, consolar, repreender, advertir e exortar os fiéis em sua vida cristã.

São freqüentes nas Escrituras as passagens que falam dos deveres e das qualificações dos pastores e ministros (Jr 3.15; At 6.4; Rm 12.7; 1 Co 4.1-2; 2 Co 4.1-10; 5.18-20; 1 Tm 3.1-7; 5.17-20; 2 Tm 4.5; Tt 1.5-9). Por outro lado, existem muitas advertências a respeito dos líderes relapsos e infiéis, “que se apascentam a si mesmos” e abandonam o rebanho do Senhor. Ver Jr 23.1-4; 50.6; Ez 34.1-31; Zc 11.5,17; 1 Pe 5.1-4. Segundo os preceitos bíblicos, o verdadeiro pastor é o líder revestido do Espírito Santo que amorosamente supervisiona, guia, ensina e adverte o povo de Deus.

2. Igreja antiga e medieval

A partir dos primeiros séculos da era cristã, ocorreram vários desdobramentos que dificultaram o fiel exercício do pastoreio cristão em moldes bíblicos. Entre eles podem ser citados o excesso de institucionalização da igreja, a crescente distinção entre clero e laicato, e a ênfase na vida monástica. Esses fenômenos criaram um progressivo distanciamento entre a hierarquia e o povo, fazendo com que os ministros tivessem dificuldade em desempenhar de modo eficaz as suas funções pastorais.

Todavia, as ações e os escritos de muitos líderes desse período dão testemunho da contínua relevância e necessidade do ofício pastoral. No segundo século, Policarpo de Esmirna, escrevendo aos filipenses, declarou: “Os presbíteros também devem ser compassivos, misericordiosos para com todos, reconduzindo aqueles que se desviam, visitando os enfermos, não negligenciando a viúva, o órfão e o pobre, mas sempre considerando o que é honroso aos olhos de Deus e dos homens, refreando toda ira, parcialidade e julgamento injusto, afastando-se de todo amor ao dinheiro, não pensando mal de alguém apressadamente, não sendo severo no juízo, sabendo que todos somos devedores ao pecado”. No terceiro século, Clemente de Alexandria e seu discípulo Orígenes também destacaram que os ministros são escolhidos para servir o Senhor, moderam as suas paixões, obedecem aos superiores, bem como ensinam e cuidam das ovelhas.

O grande bispo da igreja oriental João Crisóstomo (c. 347-407) não só foi o pregador mais eloqüente do seu tempo como destacou a importância da pregação no exercício do ministério cristão. Em um tratado acerca do sacerdócio, ele afirmou: “Há somente um método e meio de cura quando erramos, que é a poderosa aplicação da Palavra... com ela nós tanto despertamos a alma que dorme quanto a subjugamos quando se inflama; com ela cortamos os excessos, preenchemos as lacunas e realizamos todas as outras operações necessárias para a saúde da alma”.

Na igreja ocidental, o insigne Agostinho de Hipona (354-430) soube, como poucos, unir uma intensa reflexão teológica com um envolvimento prático no trabalho pastoral. Ele disse em uma de suas cartas: “Nesta vida, especialmente em nossos próprios dias, não há nada mais difícil, estafante e arriscado do que o ofício de bispo, sacerdote ou diácono; porém, nada é mais abençoado aos olhos de Deus, se o nosso serviço estiver de acordo com as ordens do nosso Capitão”.

Um marco importante na história da “cura de almas” foi o pontificado de Gregório Magno (590-604), cujo Livro de Regra Pastoral veio a ser um manual extremamente valioso para o clero secular durante toda a Idade Média. Todavia, continuaram a surgir obstáculos nessa tarefa: a evangelização superficial de grandes contingentes populacionais, em que um verniz de cristianismo recobria o paganismo subjacente; o aumento da riqueza e poder político da igreja, o que levou muitos papas, bispos e abades a negligenciarem o seu rebanho; as deficiências na formação dos sacerdotes, tantas vezes carentes de preparo ministerial e disciplina pessoal. Outros exemplos de preocupação pastoral nesse longo período são encontrados em grupos cristãos dissidentes como os donatistas, os valdenses e os albigenses, bem como entre os chamados pré-reformadores, notadamente John Wycliffe e Jan Hus. Este último disse em sua obra Sobre o Ofício Pastoral: “Existem duas coisas que pertencem ao status do pastor: a sua santidade e a integridade do seu ensino”.

3. A Reforma e o período moderno

A Reforma Protestante foi um movimento motivado em grande parte por preocupações pastorais, como ficou patente nos escritos e ações dos reformadores. Martinho Lutero (1483-1546) deu grande ênfase ao cuidado pastoral, que ele sempre relacionou diretamente com o ministério da Palavra. João Calvino (1509-1564) foi ainda além, dando imensa contribuição para o entendimento bíblico do ministério cristão. Ele devotou à igreja o quarto livro da sua Instituição da Religião Cristã, referindo-se a ela como a “mãe e mestra” dos fiéis, aquela que os gera através da pregação do evangelho e os educa na fé durante toda a sua vida. Em outro escrito, ele propôs para a igreja reformada de Genebra o quádruplo ofício de pastor, mestre, presbítero e diácono, destacando assim o valor da pregação, do ensino e do cuidado espiritual e material da comunidade cristã.

O reformador alemão Martin Bucer (1491-1551), sediado em Estrasburgo, foi chamado “o teólogo pastoral da Reforma”. Em sua obra O Reino de Cristo, ele identificou três deveres de um pastor: ensinar as Escrituras, ministrar os sacramentos e participar da disciplina eclesiástica. Um quarto dever era a assistência aos necessitados. Os anabatistas, em seu esforço de retornar aos padrões da igreja primitiva, também deram grande ênfase ao modelo pastoral espelhado no Novo Testamento, conforme exemplificado pelo trabalho e escritos de Menno Simons e seus colegas. Entre os fatores que contribuíram para essa revitalização da cura de almas nas igrejas da Reforma estava o retorno aos ensinos bíblicos sobre o ministério, a abolição das categorias de clero e leigos, a maior proximidade entre os líderes e os fiéis, e a vida coesa e participativa das comunidades evangélicas.

Dentre os movimentos subseqüentes, aquele que possivelmente produziu maiores frutos no âmbito pastoral foi o puritanismo inglês. Um nome de grande importância é o de Richard Baxter (1615-1691), cuja obra mais conhecida é O Pastor Reformado, escrito em 1656. O livro se fundamenta em Atos 20.28 para articular uma filosofia profundamente espiritual de ministério que aborda os labores, as motivações, as limitações e a dedicação dos pastores. Além de devotar-se zelosamente à pregação, todos os anos Baxter procurava encontrar-se pessoalmente com cada uma das 800 famílias da sua igreja para aconselhá-las e orar com elas, uma prática que transformou permanentemente a vidas dessas pessoas. Ele declarou: “Por amor a Cristo, e em prol da sua igreja e das almas imortais dos homens, eu rogo a todos os fiéis ministros de Cristo que se dediquem urgente e efetivamente a esse mister”.

No contexto intensamente bíblico das igrejas puritanas, o ensino e a prática do ministério genuíno se tornaram comuns, como ocorreu na obra de vultos como John Owen, Thomas Brooks, Richard Sibbes, Robert Bolton, Thomas Menton e Thomas Goodwin, entre outros. Nos Estados Unidos, a maior expressão dessa nobre tradição foi Jonathan Edwards (1703-1758), o notável pastor, teólogo e filósofo da Nova Inglaterra. Ele considerava uma grande bênção “o ministro que alegremente se dedica ao serviço do seu Senhor na obra do ministério, como uma obra na qual tem prazer, e também alegremente se une à sociedade dos santos sobre a qual foi colocado... e estes, por sua vez, alegremente o recebem como uma dádiva preciosa do seu Redentor glorificado”. Após a era puritana, destacaram-se por suas contribuições à teologia e à prática do ministério nomes como Charles Spurgeon, G. Campbell Morgan, Roland Allen, Benjamin Warfield e, mais recentemente, D. Martyn Lloyd-Jones, Jay Adams e John MacArthur, entre muitos outros.

Conclusão

Os dias em que vivemos são complexos e repletos de desafios. Nas áreas política, empresarial e institucional existe a expectativa de que os líderes sejam ao mesmo tempo íntegros, competentes e dinâmicos. Essa expectativa também se verifica no meio religioso, mas com um diferencial. Os ministros devem prestar contas de seus atos não somente aos seus paroquianos, mas principalmente àquele que os vocacionou e capacitou para o seu nobre ofício – o próprio Deus. Numa época em que o trabalho pastoral se torna uma atividade entre outras, em que os ministros correm o risco de serem meros “profissionais do púlpito”, em que motivações secundárias ou menores buscam a supremacia no coração dos pastores, vale a pena ouvir a exortação de Paulo ao seu colega mais jovem: “Cumpre cabalmente o teu ministério” (2 Tm 4.5).

domingo, 8 de dezembro de 2013

Zelo sem entendimento...

Zelo sem entendimento: os problemas do entusiasmo religioso na história do cristianismo

Em todas as religiões existe o fenômeno do fervor espiritual intenso, por vezes extremado, que caracteriza certos indivíduos, grupos e movimentos. O cristianismo não é uma exceção. Um termo técnico usado para descrever essa atitude é “entusiasmo”, palavra cujo sentido original é “ser possuído ou inspirado pela divindade” (de “en” = dentro + “theos” = deus). O entusiasta, em virtude da sua experiência profunda e arrebatadora com o divino, é com freqüência tomado de grande paixão e ardor nos seus sentimentos religiosos. Isso não é necessariamente algo negativo. Na verdade, ao longo dos séculos o fervor religioso tem produzido frutos admiráveis em áreas como a espiritualidade e a obra missionária. Alguns exemplos bem conhecidos são os místicos espanhóis do final da Idade Média e o conde protestante alemão Nikolaus von Zinzendorf, com seus seguidores morávios.

Infelizmente, a história demonstra que muitas vezes o entusiasmo religioso ultrapassa os limites do bom senso e manifesta extravagâncias comportamentais e teológicas. Em alguns casos extremos chega ao fanatismo, com as conseqüências negativas, até mesmo destrutivas, daí advindas. Ironicamente, o entusiasmo mal-dirigido pode proceder de um desejo sincero de glorificar a Deus. Paulo, escrevendo aos romanos acerca de seus compatriotas judeus, afirmou que estes possuíam “zelo por Deus, porém não com entendimento” (Rm 10.2), e ele mesmo, antes de conhecer a Cristo, em seu zelo pela lei de Deus foi um perseguidor da igreja (Fp 3.6; ver Jo 16.2). Uma característica freqüente do entusiasmo religioso cristão é a sua associação com expectativas apocalípticas e com as experiências sobrenaturais ligadas às mesmas, tais como revelações, visões e profecias.

1. Cristandade antiga e medieval

A primeira ocorrência bem documentada de entusiasmo na igreja antiga foi o montanismo. Esse influente movimento teve início no ano 172 quando o jovem Montano começou a chamar a atenção como profeta na Frígia, Ásia Menor. Duas profetizas, Priscila e Maximila, logo se tornaram suas seguidoras e afirmavam ser porta-vozes do Paracleto, o Espírito Santo. Às vezes supostamente Deus falava através deles na primeira pessoa, como através dos profetas do Antigo Testamento. A sua mensagem principal era a proximidade do fim do mundo e da segunda vinda de Jesus Cristo. Como preparação para isso, os cristãos eram exortados a praticar um rigoroso ascetismo, abstendo-se de relações conjugais e fazendo numerosos jejuns. Também eram exortados a receber de bom grado as perseguições.

A liderança da igreja sentiu-se ameaçada pela autodenominada “Nova Profecia” e os montanistas acabaram sendo excomungados. Alguns grupos sobreviveram até o século quinto no norte da África e por mais tempo na Frígia. Apesar de alguns excessos, esses antigos cristãos chamaram a atenção da igreja para a pessoa do Espírito Santo e a importância de uma vida disciplinada. Esses fatores atraíram o grande intelectual cristão Tertuliano de Cartago, que se tornou montanista no final da sua vida. A partir dessa época, todas as reivindicações de inspiração direta foram firmemente desencorajadas pela igreja ocidental.

Ainda assim, durante a Idade Média ocorreram alguns casos de maior ou menor impacto. No final do século 12, Joaquim de Fiore, da Calábria, sul da Itália, ensinou que a era do Espírito iria começar no ano 1260 e esboçou com detalhes os eventos dos sessenta anos precedentes. Começando com o Apocalipse, ele e seus muitos discípulos anunciaram novas revelações. Fiore atraiu a atenção de quatro papas e influenciou a nascente ordem franciscana, mas, quando suas predições não se confirmaram, seu movimento se extinguiu. Algum tempo depois, Guilhermina da Boêmia, uma entusiasta lombarda, afirmou ser uma encarnação do Espírito para salvar os judeus, os sarracenos e os falsos cristãos. Logo após a sua morte em 1281, sua seita foi exterminada. Outros exemplos medievais são os flagelantes do norte da Europa (século 14), os taboritas da Boêmia (século 15) e os alumbrados ou illuminati da Espanha (século 16), todos os quais foram fortemente reprimidos pelos poderes constituídos. Os estudiosos apontam para o fato de que, além das motivações religiosas, esses movimentos refletiram reações populares a situações de grande tensão econômica e social.

2. O período da Reforma

A Reforma Protestante desencadeou forças latentes que em diversas ocasiões produziram manifestações de intensa excitação religiosa. No aspecto negativo, o caso mais notório ocorreu na cidade de Münster, na Westfália. Tudo começou com o curtidor Melchior Hofmann, que em 1529 chegou a Estrasburgo e anunciou o iminente fim do mundo, sendo que essa cidade seria a Nova Jerusalém. Dizendo ser o profeta Elias, ele viajou pelo norte da Alemanha e a Holanda, impregnando o movimento anabatista com fortes convicções milenistas. Após a sua prisão, ergueu-se um novo líder na pessoa do padeiro holandês Jan Matthys. Afirmando ser Enoque, ele anunciou que a Nova Jerusalém seria de fato Münster.

Muitos anabatistas afluíram para essa cidade e eventualmente adquiriram o controle político da mesma, implantando uma teocracia.

Quando Matthys morreu numa batalha contra o exército do bispo, seu principal apóstolo, Jan de Leyden, foi logo reconhecido como profeta. Poucos meses depois, mediante uma profecia, ele foi declarado “rei de justiça” e o “governante da nova Sião”. No Ano Novo de 1535, promulgou um novo código legal, concluindo com as palavras: “A voz do Deus vivo declarou-me que esta é uma ordenança do Todo-Poderoso”. Alguns dos profetas do movimento proclamaram que a ética do Antigo Testamento ainda era válida e por isso sentiram-se autorizados a introduzir a poligamia. Em 25 de junho daquele ano, após um cerco prolongado e angustioso, a cidade foi tomada pelo exército episcopal e quase todos os habitantes foram massacrados.

Os reformadores foram críticos dos anabatistas por entenderem que eles ameaçavam a ordem social, uma vez que insistiam em manter-se separados tanto do Estado quanto da coletividade. Outra razão dessa hostilidade era teológica: a liberdade com que alguns grupos interpretavam as Escrituras e o seu apelo a revelações diretas pareciam relativizar a Palavra de Deus. João Calvino, por exemplo, escreveu várias obras contra o movimento, uma das quais intitulada Contra a fanática e furiosa seita dos libertinos que a si mesmos se denominam espirituais (1545). Durante séculos, governos e igrejas exploraram os excessos cometidos por alguns anabatistas isolados, para fazerem do movimento como um todo um sinônimo de fanatismo e desordem.

3. Os grandes despertamentos

Como não poderia deixar de ser, os avivamentos religiosos, com seu poderoso conteúdo emocional, são um terreno fértil para a ocorrência de expressões entusiásticas. Isso se tornou especialmente inevitável no ambiente volátil da fronteira norte-americana nos séculos 18 e 19. No Primeiro Grande Despertamento (décadas de 1720 a 1740), pregadores como Theodore Frelinghuysen, Gilbert Tennent, Jonathan Edwards e George Whitefield souberam manter o equilíbrio e a sobriedade. O mesmo não aconteceu com outros avivalistas, como James Davenport, que apelaram fortemente para o emocionalismo. A conseqüência disto foi o surgimento de uma forte polarização entre os chamados “novas luzes” (favoráveis ao avivamento) e os “velhas luzes” (contrários ao mesmo).

No Segundo Grande Despertamento (1800-1830), mais vasto e explosivo, tornaram-se comuns certas dramáticas manifestações físicas de êxtase religioso: desmaios, rodopios, gargalhadas, grunhidos, convulsões e danças. Mais que isto, o entusiasmo acabou gerando novos movimentos, alguns bastante divergentes do protestantismo histórico, tais como os experimentos comunitários e outros grupos heterodoxos (shakers, mórmons, adventistas, etc.). Isso não quer dizer que não tenha havido muitos aspectos positivos nesses avivamentos. Jonathan Edwards (1703-1758), o pastor e teólogo da Nova Inglaterra que se tornou o grande estudioso desses fenômenos, concluiu que as manifestações físicas podiam ser sinais do poder de Deus ou não. Para se avaliar a autenticidade de um avivamento, era preciso procurar os frutos duradouros, tanto pessoais quanto coletivos, que resultavam dessas intensas experiências espirituais.

Finalmente, o início do século 20 viu nascer o pentecostalismo, um movimento que, devido a suas peculiaridades intrínsecas, possui uma espiritualidade fervorosa, carregada de emotividade. A ênfase no Espírito Santo e seus dons extraordinários, a linguagem do poder e a expectativa do final dos tempos têm produzido inegável vitalidade e notáveis transformações, mas também podem, quando mal-orientadas, gerar excessos como os associados com a “experiência de Toronto”, bem como distorções teológicas, principalmente na área do culto e da escatologia.

Conclusão

É longa a história do entusiasmo religioso desordenado e seus riscos. Em alguns casos excepcionais, as conseqüências podem ser trágicas. Dois exemplos do Brasil do século 19 foram Canudos e seu profeta Antônio Conselheiro, na Bahia, e a revolta dos muckers, no Rio Grande do Sul. Dois episódios mais recentes em outros países foram o suicídio coletivo dos seguidores de Jim Jones, na Guiana, e a morte de David Koresh e seus simpatizantes em Waco, no Texas. Não se deseja aqui denunciar o entusiasmo religioso per se, que, como foi apontado, tem produzido frutos admiráveis na história do cristianismo. O próprio apóstolo Paulo disse: “No zelo não sejais remissos: sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12.11). Mas o mesmo escritor inspirado, ao orientar os fiéis de Corinto quanto à sua espiritualidade, acrescentou: “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1 Co 14.40).

Perguntas para reflexão:

1. Qual deve ser a relação entre a racionalidade e a emotividade na vida espiritual, quer pessoal, quer coletiva?

2. À luz do ensino bíblico, é correto esperar comunicações diretas e novas revelações de Deus ao seu povo hoje, sem ser através das Escrituras Sagradas? Por quê?

3. Qual é a relação entre o Espírito Santo e a Palavra de Deus na vida da igreja e do crente?

4. Quais os principais problemas que podem resultar de uma ênfase excessiva no aspecto emocional da religião?

5. Por que a intensidade de sentimentos não deve ser o critério mais importante para se julgar a autenticidade de uma experiência religiosa?


Sugestões bibliográficas:

GRUDEM, Wayne (Org.). Cessaram os dons espirituais? Quatro pontos de vista. São Paulo: Editora Vida, 2003.

HANEGRAAFF, Hank. Cristianismo em crise. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1996.

LOPES, Augustus Nicodemus. O que você precisa saber sobre batalha espiritual. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.

MacARTHUR JR., John F. Os carismáticos: um panorama doutrinário. 3ª ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 1995.

MATOS, Alderi S. e outros. Fé cristã e misticismo: uma avaliação bíblica de tendências doutrinárias atuais. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

PIERATT, Alan B. O evangelho da prosperidade: análise e resposta. São Paulo: Vida Nova, 1993.

ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em crise. São Paulo: Mundo Cristão, 1995.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CRISTIANISMO E ISLAMISMO NO MUNDO ATUAL...

Enfoque:

Panorama dos conflitos atuais e questão do fanatismo religioso


1. Panorama histórico

Após muitos séculos de confrontação com a cristandade, o domínio árabe na Europa ocidental (Península Ibérica) chegou ao fim em 1492.

O fim do avanço otomano terminou em 1683, com a derrota diante dos poloneses no segundo cerco de Viena. O império turco ainda se envolveria em várias guerras com a Rússia (como a da Criméia, em 1854), mas começaria a perder progressivamente os seus territórios nos Bálcãs e no Oriente Médio. O califado otomano chegou ao fim em 1924, não sem antes ter promovido o terrível genocídio dos armênios (a partir de 1915).

Análise do prof. J. Dudley Woodberry (Fuller), que desde 1957 tem estudado, lecionado e ministrado no Líbano, Afeganistão, Paquistão e Arábia Saudita e visitou 35 outros países predominantemente muçulmanos:

No início da I Guerra Mundial, foi dito aos árabes que, se apoiassem os aliados contra os seus senhores turcos, que apoiavam a Alemanha, eles receberiam a independência. Um ano depois, o Acordo Sykes-Picot dividiu o Oriente Médio entre os ingleses e os franceses (+Espanha, Holanda e Rússia). Isso gerou uma profunda frustração e sentimento de deslealdade.

Logo em seguida veio a Declaração Balfour (02-11-1917), do ministro das relações exteriores da Inglaterra, que dizia que o governo britânico iria apoiar a criação de "um lar nacional para o povo judeu" na Palestina, contanto que isso não interferisse nos direitos civis e religiosos dos moradores locais.

O Acordo Sykes-Picot e a Declaração Balfour violaram entendimentos anteriores com os árabes. A partir de então, os muçulmanos começaram a demonstrar sentimentos anti-britânicos e anti-franceses (quando estes ocuparam a Síria e o Líbano).

O presidente americano Woodrow Wilson (1913-1921) não tinha aspirações coloniais e os EUA decidiram não participar da divisão dos territórios conquistados, feita após a guerra pela Liga das Nações. Escolas e hospitais cristãos em todo o Oriente Médio, Paquistão e Irã também produziram atitudes positivas para com os Estados Unidos.

No final da II Guerra Mundial, Harry Truman violou a promessa feita por Franklin Roosevelt a Abdul Aziz, o rei da Arábia Saudita, de não fazer nada na Palestina sem consultar os árabes. Os Estados Unidos deram pleno apoio ao Estado de Israel (1948), nas Nações Unidas e de outras maneiras. Foi então que surgiu o sentimento anti-americano entre os árabes. (Razões para o apoio a Israel: holocausto, judeus americanos, cristãos conservadores.)

Desde então, os muçulmanos têm tido uma atitude rancorosa para com os EUA. A Palestina é uma questão tão importante que obscurece todas as demais. (Livro Irmãos de Sangue, de Elias Chacour)

2. Fanatismo religioso

O fenômeno do fanatismo está presente em todas as religiões (bem como em ideologias não-religiosas, como o marxismo).

No caso dos muçulmanos, a militância fundamentalista está diretamente relacionada com um sentimento de trauma e de frustração na comunidade islâmica. Fatores:
- Senso de estarem ameaçados pelo Ocidente, especialmente pela secularização, pela dissolução dos valores;
- Sentimento de serem injustiçados pela política americana, principalmente no caso dos palestinos e do apoio incondicional dos EUA a Israel;
- Revolta com a presença de tropas norte-americanas na Arábia Saudita, o berço do islã.

Essas frustrações abrem velhas feridas, como a questão das Cruzadas, e alimentam uma corrente intolerante e agressiva dentro do islamismo que remonta ao próprio Maomé e ao Corão. De um modo geral, Maomé tratou bem os cristãos, mas os judeus não tiveram igual sorte. Quando os homens da tribo dos Qurayza se recusaram a ajudá-lo, ele os decapitou junto a uma vala que mandara abrir (Ibn Ishaq, biógrafo islâmico).

O islamismo nasceu em oposição consciente ao cristianismo e ao judaísmo. É uma religião militante e por muitos séculos usou, além da persuasão verbal, a força das armas para se expandir. Alguns líderes foram intolerantes com os cristãos, abrindo precedentes perigosos.

Em 717, o califa Umar II iniciou a primeira perseguição geral de não-muçulmanos. O califa Harun al-Rashid ordenou a destruição de todas as igrejas novas (807). O califa fatímida Hakim destruiu a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém (1009). Em 1244, os residentes cristãos de Jerusalém foram expulsos.

3. O conceito de jihad

Um conceito que pode causar problemas é o de jihad. Literalmente, o termo significa "luta", "esforço" ou "empenho". No seu contexto religioso, ela sempre envolve uma luta contra o mal, mas isso pode assumir várias formas. (Análise de Mateen A. Elass, "Four Jihads".)

(a) Jihad do coração: significa a luta contra as tendências más da natureza humana, a busca do aperfeiçoamento pessoal. (b) Jihad da boca: visa solapar a oposição ao islã de duas formas - argumentação verbal e maldições ou imprecações, ou seja, guerra verbal. Ex: Saddam Hussein na I Guerra do Golfo: "a mãe de todas as batalhas". (c) Jihad da pena: utiliza a palavra escrita em defesa do islã (por exemplo, as doutrinas centrais da fé cristã tem sido um alvo especial da apologética islâmica). (d) Jihad da mão: busca promover a causa de Alá através de ações louváveis (tratamento exemplar dos outros, devoção a Deus, etc.).

A última e mais problemática forma de jihad é a da espada. Esse aspecto domina a história e a jurisprudência islâmica. Quando essa palavra ocorre no Corão sem um qualificativo ou com o qualificativo típico "na causa de Alá", ela invariavelmente significa um apelo ao combate físico em favor do islã. Palavras de Maomé após uma batalha (segundo a hadith): "Todos nós voltamos da jihad menor para a jihad maior". O conceito tem quatro estágios distintos de desenvolvimento no Corão:

(1) Quando o islã era um movimento incipiente, Maomé aconselhou uma política de persuasão pacífica: "Incita os humanos à senda de teu Senhor com prudência e com bela exortação; refuta-os de maneira benevolente... se fordes pacientes, será preferível para vós" (Sura 16:125-126). Posteriormente, Maomé decretou que a luta era permissível somente para repelir a agressão e resgatar bens confiscados por infiéis. "Ele permitiu o combate aos que lutaram, porque foram ultrajados; em verdade, Deus é poderoso e pode secundá-los. São aqueles que foram expulsos injustamente de seus lares só porque disseram: Nosso Senhor é Deus!" (Sura 22:39).

(2) Dentro de poucos meses, essa permissão para lutar em autodefesa se tornou uma obrigação religiosa de batalhar contra aqueles que iniciassem hostilidades contra a comunidade islâmica ou seus interesses: "Combatei pela causa de Deus àqueles que vos combatem; porém, não os provoqueis, porque Deus não estima os agressores. Combatei-os onde quer que os encontreis e expulsai-os de onde vos expulsaram... Não os combatais nas cercanias da Sagrada Mesquita, a menos que vos ataquem. Mas, se ali vos combaterem, combatei-os. Tal será o castigo dos incrédulos" (Sura 2:190-191).

À medida que a doutrina da jihad se desenvolveu, Maomé ensinou que aqueles que sacrificassem suas vidas em batalha pela causa de Alá seriam recebidos no nível mais elevado do céu. Por outro lado, os muçulmanos aptos que rejeitassem o chamado à luta sofreriam a punição divina (9:38-39). Não é de admirar que desde então tenha crescido o número de muçulmanos desejosos de se dedicarem à guerra.

(3) O terceiro estágio de desenvolvimento levou a jihad da defesa para o ataque, exceto nos quatro meses de peregrinação religiosa: "Mas quando os meses sagrados houverem transcorrido, combatei os idólatras onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os; porém, caso se arrependam, observem a oração e paguem o tributo, deixai-os em paz" (Sura 9:5).

(4) A evolução final do conceito corânico de jihad afastou quaisquer limitações quanto à época de batalhar na causa de Alá. Quando comandados por um líder islâmico reconhecido, os muçulmanos podiam atacar os incrédulos em qualquer época e em qualquer lugar que ainda não havia se rendido os exércitos do islã. "Combatei aqueles que não crêem em Deus e no Dia do Juízo Final, nem se abstêm do que Deus e seu Apóstolo proibiram, não professam a verdadeira religião daqueles que receberam o Livro, até que eles, submissos, paguem o tributo" (Sura 9:29).

4. O fundamentalismo

Portanto, ao lado de uma tradição tolerante, o islamismo obviamente tem uma ênfase beligerante e agressiva, desde a época de sua fundação. Essa tradição alimenta o radicalismo religioso ou fundamentalismo militante, dependendo das circunstâncias.

No fundamentalismo cristão, isso é grandemente atenuado pelo exemplo e ensinos de Cristo no Novo Testamento (em contraste com a tradição do Antigo Testamento): sua ênfase na não-resistência ou resistência pacífica, ao amor, ao perdão aos inimigos, etc.

Outros fatores que tem alimentado o radicalismo islâmico nas últimas décadas e o seu sentimento anti-ocidental e anticristão (além da questão de Israel) são:
  1. A tentativa de modernização forçada de alguns países muçulmanos, e a conseqüente ameaça de secularização e ocidentalização. Ex: o Irã na época do xá Reza Pahlavi e a revolução dos aiatolás. A conseqüência tem sido o surgimento de repúblicas islâmicas.
  2. O expansionismo político, cultural e econômico do Ocidente gera animosidade. Tem se usado o termo "cruzado" no sentido de "imperialista", "colonialista" ou mesmo "capitalista".
  3. Como o islã é uma religião abrangente, que integra todas as esferas da vida e da sociedade (não há separação entre o religioso e o secular, religião e política), os muçulmanos tendem a aplicar o mesmo critério ao Ocidente, ou seja, não distinguir entre ações políticas de governos e o cristianismo. Não levam em conta a separação entre igreja e estado.
  4. Senso de frustração pela situação decadente em que se encontra o mundo islâmico em comparação com os períodos áureos do passado. O Ocidente é rico, avançado tecnologicamente, tem dado as maiores contribuições ao mundo na área cultural.
  5. Os muçulmanos estão divididos politicamente e religiosamente: países ricos x países pobres; estados seculares x estados teocráticos; árabes x não-árabes. Eles têm guerreado entre si (Irã x Iraque, Iraque x Kuwait).

A partir dos anos 50, o conservadorismo tradicional que sempre se opusera ao modernismo endureceu na forma de resistência política, revolução e finalmente terrorismo. Os conservadores passaram a criticar a decadência ocidental e insistir na volta aos fundamentos islâmicos. As supostas agressões aos valores muçulmanos passaram a ser repelidas com veemência (Versos Satânicos, de Salman Rushdie, 1989).

Tudo isso tem afetado profundamente as relações entre o cristianismo e o islamismo. Os cristãos que vivem em países muçulmanos têm sentido mais fortemente os ventos de mudança. Os muçulmanos moderados temem se manifestar. Há uma necessidade de ações positivas de ambos os lados, a começar do Ocidente, visando curar as feridas abertas e restaurar a confiança entre as duas comunidades.

Visite Nossa Loja Parceira do Magazine Luiza - Click na Imagem

Mensagens de Bom Dia com Deus - Good morning messages with God - ¡Mensajes de buenos días con Dios

Bom Dia com Deus

Canal Luisa Criativa

Aprenda a Fazer Crochê

Semeando Jesus